Avsnitt

  • Os ingleses têm uma expressão original para descrever o momento em que uma situação negativa se agrava: “the plot”, isto é, o enredo, “thickens”, ou seja, engrossa, ou ainda, se complica. A melhor tradução é: “o caldo engrossa”. É o que está acontecendo na Alemanha.

    Flávio Aguiar, analista político, de Berlim

    Na quarta-feira da semana passada, pela manhã um choque elétrico percorreu todo o continente, inclusive a Alemanha: Donald Trump foi eleito pela segunda vez presidente dos Estados Unidos. Os partidos e políticos de extrema-direita exultaram. Os de centro e de esquerda ficaram em estado de choque. À noite, um novo choque elétrico se espalhou: o chanceler Olaf Scholz, do Partido Social Democrata (SPD, na sigla alemã), demitiu o ministro das Finanças, Christian Lindner, do FDP (Freie Democratische Partei, usualmente traduzido por Partido Democrático Liberal). Em consequência, a coalizão que formava o governo, chamada de “Semáforo”, devido às cores representativas dos partidos, se desfez. Aquelas cores eram o vermelho (SPD), o amarelo (FDP) e o verde, da Aliança 90/Verdes.

    Desde o começo, em 2021, quando Scholz tornou-se o chanceler, a coalizão foi descrita como “instável”. Com três partidos, ela reunia dois descritos na mídia do país, como de “centro-esquerda”, o SPD e os Verdes, e um de “centro-direita”, o FDP. No plano dos direitos humanos ou da política externa não havia grandes divergências entre eles, mas no econômico e administrativo, sim. O SPD e os Verdes queriam investimentos públicos, e Lindner se opunha.

    A partir de 2022 a economia alemã entrou em queda livre. A adesão do governo de Berlim às sanções econômicas contra a Rússia e ao apoio militar e financeiro à Ucrânia provocaram de imediato a suspensão do fornecimento de gás por parte da Gazprom, a estatal russa. E o gás russo era vital para a indústria alemã. Ao mesmo tempo, a guerra na Ucrânia provocou o aumento de preço dos insumos e de produtos agrícolas que vinham daquele país (e em menor escala da Rússia), como fertilizantes e o óleo de girassol. Resultado: inflação subindo, sobretudo no custo da energia e dos alimentos, com reflexos na habitação e na saúde, fechamento de indústrias, o consequente aumento das taxas de desemprego, sobretudo entre os jovens, queda no consumo interno e nas importações e exportações.

    Popularidade do governo em queda

    Efeito imediato: a popularidade do governo despencou. Em sucessivas eleições regionais, SPD, Verdes e o FDP começaram a se sair muito mal. Com as eleições federais previstas para o ano que vem, as oposições de direita começaram a crescer nas intenções de voto. Hoje a União Democrata Cristã (CDU) ocupa o primeiro lugar. O AfD, (de Alternative für Deutschland, Alternativa para a Alemanha), de extrema-direita, ultrapassou o SPD e está em segundo.

    Uma desavença interna roeu as entranhas da coalizão governamental. O SPD e os Verdes desejavam aumentar os investimentos públicos para socorrer a indústria e a agricultura. O FDP bloqueava a iniciativa, aferrando-se ao princípio da austeridade fiscal.

    Afinal, na noite de quarta-feira passada o enredo e o caldo engrossaram e a corda rompeu-se. Scholz acusou Lindner de trair a sua confiança, e demitiu-o. Lindner saiu atirando: disse que Scholz levara o país à incerteza. Dois dos outros três ministros do governo que são do FDP se demitiram. O dos Transportes preferiu sair do partido e ficar no governo. Resultado: um ar de Titanic se espalhou pelo governo e pelo país, num momento em que o iceberg Trump aparecia no horizonte.

    A Alemanha está com um governo fraco, minoritário, e com uma economia à deriva, beirando o naufrágio. Scholz anunciou a realização de um voto de confiança no Bundestag, o Parlamento Federal, para janeiro de 2025, com a possível antecipação das eleições para março. A CDU e o AfD querem que tudo aconteça ainda antes. A Comissão Eleitoral do país alertou que a preparação do pleito exige tempo, e que o Natal está logo ali, paralisando o país por duas semanas, pelo menos. Em resumo, o caldo engrossou mesmo, e ninguém sabe quando a Alemanha sairá do buraco em que se meteu.

  • Na contagem regressiva para o dia da eleição, os Estados Unidos vivem uma disputa política intensa, com Trump e Harris representando visões diametralmente opostas. As últimas pesquisas mostram uma corrida acirrada nos principais estados decisivos, evidenciando uma profunda divisão entre os eleitores. Ambas as campanhas estão com força total, promovendo comícios de última hora, endossos de alto nível e mensagens direcionadas para conquistar os sempre indecisos eleitores em estados-chave.

    Thiago de Aragão, analista político

    As políticas dos candidatos oferecem um contraste marcante, com cada um prometendo reformar os EUA de maneiras que parecem incompatíveis. A abordagem de Trump se baseia em uma visão assertiva, quase nacionalista: tarifas, independência energética através do "perfure, perfure, perfure" e o compromisso de fortalecer as fronteiras dos EUA com deportações sem precedentes.

    Seu plano econômico—enraizado na crença de que a autossuficiência americana pode combater a inflação—é um reflexo dos valores conservadores tradicionais. No entanto, sua dependência de tarifas e disposição para cortar impostos em detrimento do déficit federal preocupam críticos, que temem os efeitos econômicos a longo prazo.

    Por outro lado, Harris apresenta uma visão voltada para a reforma social e a inclusão. Suas políticas buscam apoiar compradores de primeira casa, enfrentar custos com saúde e reverter leis restritivas de aborto. Harris também adota reformas ambientais, embora equilibrando entre posições progressistas e moderadas—como se vê em seu apoio ao fracking (técnica de produção de gá e petróleo), apesar de sua oposição anterior.

    Sua proposta de expandir os créditos fiscais para crianças e restringir a prática de elevação de preços em situações de emergência atrai eleitores de baixa renda, enquanto sua postura sobre os direitos reprodutivos ressoa com aqueles preocupados com o retrocesso do Roe v. Wade, como ficou conhecido o caso que levou a Suprema Corte dos EUA a garantir o direito das mulheres ao aborto.

    Estudo de caso da política americana

    Mas, além dos contrastes políticos, o clima ao redor da eleição se tornou um estudo de caso sobre a política americana. A campanha de Trump se apropriou de sua imagem como um combatente populista, desafiando a mídia tradicional e confrontando críticos de maneira que alguns chamam de autêntica e outros consideram perigosa. Seus comentários recentes sobre veículos de mídia, vistos como antagonistas, geraram críticas e preocupações sobre os riscos de tal retórica em um ambiente midiático já polarizado.

    Enquanto isso, a campanha de Harris manteve o foco nos temas de unidade, mas não evitou pressionar Trump sobre suas controvérsias e, em particular, sobre suas alegações de fraude eleitoral—uma jogada estratégica que agrada sua base, mas eleva o risco caso ocorra alguma agitação pós-eleitoral.

    Enquanto ambos os candidatos se aproximam da reta final, seus respectivos representantes pintaram a eleição como uma disputa imprevisível, com cada lado insistindo em um resultado otimista.

    Líderes republicanos como o Senador Tim Scott preveem uma vitória republicana, baseados em pesquisas nos estados decisivos que, segundo eles, refletem a forte posição de Trump. Simultaneamente, democratas como o Senador John Fetterman e a Senadora Catherine Cortez Mastro demonstraram confiança no apelo de Harris, especialmente em estados como a Pensilvânia, onde a vice-presidente supostamente investiu um esforço considerável.

    Riscos para os republicanos e democratas

    A conversa política mais ampla se tornou reflexiva, com comentaristas como Chuck Todd, da NBC, ponderando o possível impacto a longo prazo de uma vitória de Trump sobre a cultura política do Partido Republicano. Preocupações sobre cleptocracia e a natureza transacional da política de Trump refletem os temores de quem vê o risco de o partido se afastar de suas raízes conservadoras.

    Da mesma forma, dentro do Partido Democrata, vozes como a de Jen Psaki levantaram questões sobre o impacto de uma derrota de Harris no futuro das mulheres em cargos políticos de destaque, questionando como o resultado poderia moldar a disposição do partido de apoiar candidatas no futuro.

    Em uma eleição onde políticas, personalidades e lutas pelo poder estão interligadas, os EUA se encontram em um momento crítico. Com grandes apostas e opiniões divididas, não se trata apenas da escolha entre dois candidatos, mas do que essa escolha diz sobre o rumo que o país quer seguir. Enquanto os últimos anúncios são exibidos, as últimas palavras são ditas e os eleitores se preparam para votar, a verdadeira pergunta talvez seja: o que esta eleição revelará sobre os valores que moldam a sociedade americana?

    Enquanto o país prende a respiração, uma verdade é certa: a escolha à frente não é apenas sobre Trump ou Harris. Trata-se do futuro de uma América cada vez mais dividida entre visões, valores e verdade. E, em dois dias, veremos qual visão ressoa mais.

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  • A recente revelação de que tropas norte-coreanas estão sendo enviadas para lutar ao lado da Rússia na Ucrânia marca um ponto crítico no conflito em curso, despertando preocupações em todo o mundo. Segundo o Serviço Nacional de Inteligência da Coreia do Sul, aproximadamente 1.500 soldados norte-coreanos já chegaram à Rússia, e há relatos de que esse número pode aumentar significativamente. Com isso, Seul convocou o embaixador russo nesta segunda-feira (21) a fim de denunciar a decisão de Pyongyang, segundo o Ministério das Relações Exteriores.

    Thiago de Aragão, analista político

    Por sua vez, o embaixador Georgy Zinoviev, durante sua reunião com as autoridades diplomáticas sul-coreanas, “enfatizou que a cooperação entre a Rússia e a Coreia do Norte é conduzida dentro da estrutura do direito internacional e não é dirigida contra os interesses de segurança da República da Coreia”.

    O secretário de Defesa dos Estados Unidos, Lloyd Austin, anunciou na manhã desta segunda-feira que chegará a Kiev, onde demonstrará o apoio dos EUA e terá reuniões com autoridades ucranianas de alto escalão. O chefe do Pentágono também deve conversar com o presidente Volodymyr Zelensky e com o ministro da Defesa da Ucrânia, Rustem Umerov. Espera-se que eles discutam o pedido de adesão da Ucrânia à Otan, o primeiro ponto do “plano de vitória” do presidente Zelensky.

    Analogia com a Guerra Fria

    Esse desenvolvimento, se confirmado, pode desestabilizar ainda mais a já volátil situação no Leste Europeu e sinaliza uma mudança geopolítica mais profunda, que lembra as alianças da Guerra Fria. Historicamente, o envolvimento de nações externas em conflitos costuma marcar um ponto de virada.

    Um paralelo pode ser traçado com a Guerra da Coreia (1950-1953), quando a Coreia do Norte, apoiada pela União Soviética e pela China, travou um conflito prolongado e sangrento com a Coreia do Sul, que foi apoiada pelos Estados Unidos e outras potências ocidentais. Aquela guerra, enraizada em divisões ideológicas, preparou o terreno para décadas de tensão geopolítica entre o Oriente e o Ocidente, com a Coreia como o ponto de discórdia.

    Hoje, em uma reversão surpreendente, o envolvimento da Coreia do Norte na Ucrânia pode ser visto como uma nova extensão dessas dinâmicas históricas da Guerra Fria. As ramificações dessa aliança entre a Rússia e a Coreia do Norte são profundas. Não apenas sinaliza uma escalada no conflito, mas também destaca a crescente cooperação entre regimes autoritários que se sentem cada vez mais acuados pelas sanções ocidentais e pela pressão militar.

    Para a Rússia, que tem enfrentado escassez de mão de obra e de suprimentos, as tropas e munições norte-coreanas podem fornecer um reforço necessário. Relatos sugerem que a Coreia do Norte tem oferecido à Rússia quantidades significativas de equipamentos militares, incluindo projéteis e mísseis, que foram recuperados na Ucrânia. Essa assistência militar surge em um momento em que as nações ocidentais estão intensificando o apoio à Ucrânia, criando uma situação assustadoramente semelhante às guerras por procuração da era da Guerra Fria.

    No entanto, o envolvimento de soldados norte-coreanos apresenta desafios significativos para a Rússia. Integrar tropas estrangeiras a uma força militar exige mais do que apenas fornecer armas; requer coordenação, treinamento e a capacidade de superar barreiras linguísticas. O exército norte-coreano, embora altamente disciplinado, não participa de operações de combate em larga escala há décadas.

    A possibilidade de falhas de comunicação e logísticas é alta, o que pode limitar a eficácia dessas tropas na linha de frente. Alguns especialistas sugerem que as forças norte-coreanas podem ser relegadas a funções de guarda nas seções da fronteira russo-ucraniana, em vez de participarem de combates ativos. No entanto, a importância simbólica desse desenvolvimento não pode ser subestimada.

    Ações que sugerem um realinhamento das forças globais

    A decisão da Coreia do Norte de enviar tropas reflete uma mudança mais ampla na estrutura de poder global, onde nações antes consideradas isoladas ou periféricas estão agora se tornando peças-chave em conflitos internacionais. A crescente aliança entre Rússia, Coreia do Norte, e até mesmo China e Irã sugere um realinhamento potencial das forças globais que pode remodelar as relações internacionais nos próximos anos. Também é preciso considerar as implicações para a Coreia do Sul e seus aliados ocidentais.

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    O presidente sul-coreano, Yoon Suk Yeol, já classificou o envolvimento da Coreia do Norte como uma “grave ameaça à segurança”, e com razão. A possibilidade de que o engajamento militar da Coreia do Norte na Ucrânia possa aumentar as tensões na Península Coreana não pode ser descartada. Historicamente, a Coreia do Norte tem usado conflitos externos para fortalecer sua legitimidade interna e demonstrar seu poder militar.

    Ao alinhar-se com a Rússia, a Coreia do Norte pode estar buscando solidificar seu status como um jogador global, aumentando assim sua influência em futuras negociações com o Ocidente. A comunidade internacional deve responder de forma rápida e decisiva. Se as tropas norte-coreanas de fato estiverem lutando na Ucrânia, isso representaria uma perigosa escalada do conflito.

    A Ucrânia, já devastada por anos de guerra, pode encontrar-se enfrentando não apenas a agressão russa, mas também uma nova onda de soldados estrangeiros, complicando ainda mais sua estratégia de defesa. As nações ocidentais, incluindo os Estados Unidos e a Otan, precisarão reavaliar sua abordagem ao conflito, considerando as implicações mais amplas de uma guerra multinacional envolvendo não apenas a Rússia, mas seus aliados cada vez mais próximos na Ásia.

    O envio de tropas norte-coreanas para a Ucrânia, pode marcar um novo e perigoso capítulo na guerra. Esse movimento não apenas destaca o crescente desespero das forças russas, mas também reflete as alianças em mudança no cenário internacional. Como a história tem mostrado, a intervenção externa em conflitos pode prolongar e agravar a violência, transformando disputas regionais em crises globais. O mundo deve estar atento a esses desenvolvimentos e agir com urgência para evitar que o conflito na Ucrânia se descontrole ainda mais.

  • Recentemente, o economista e pesquisador ligado ao Deutsche Zentral-Genossenschafts Bank (DZ-Bank), Christoph Swonke, declarou que a Alemanha se tornou “a nova criança-problema entre os países europeus”. Ou seja: para ele, a economia alemã está deixando de ser o carro-chefe da economia europeia, para atravancá-la com seus problemas internos.

    Flávio Aguiar, analista político

    Na quarta-feira (9), o ministro da Economia e vice-chanceler do governo alemão, Robert Habeck, do Partido Verde, declarou que pelo segundo ano consecutivo a economia do país iria se retrair. Em 2023 ela encolheu 0,3%. Agora a previsão é de que em 2024 ela encolha mais 0,2%.

    Diante da situação interna adversa, com aumento do custo da energia, dos alimentos, queda no consumo, falta de investimentos, empresas alemãs estão se voltando para o exterior em busca de socorro, às custas de seus ativos. A Deutsche Bahn, empresa ferroviária alemã e outrora uma das meninas-dos-olhos do transporte europeu, enfrenta dificuldades de caixa e desempenho. Em consequência, decidiu vender sua subsidiária de cargas, a rentável Schenker, para a dinamarquesa DSV, por 14 bilhões de euros (cerca de R$ 85 bi), a fim de equilibrar seu caixa.

    O Comerzbank, segundo maior banco privado do país, vendeu parte de seus ativos para o banco italiano Unicredit. Este manifestou interesse em adquirir todo o banco alemão, e o Banco Central Europeu já deu luz verde para esta possível transação.

    Basf na China

    Outras empresas estão pensando em buscar locações mais atraentes. A indústria química BASF decidiu investir € 10 bilhões para montar uma unidade na China. Os proprietários suíços da empresa Techem, do setor energético, considerada de médio porte, pensam vendê-la para a norte-americana TPG.

    A tradicional Volkswagen anunciou que pretende fechar unidades de produção, em parte devido à concorrência dos carros chineses, e rompeu um acordo salarial com o sindicato de trabalhadores que durava 30 anos, protegendo empregos e salários.

    Aumento do controle na fronteira

    Um problema suplementar surgiu com a decisão alemã de romper parcial e temporariamente com o chamado acordo de Shengen, restabelecendo o controle policial de passaportes e veículos em suas fronteiras terrestres. Empresários cujas empresas localizam-se perto da fronteira com a Polônia e empregam trabalhadores deste país dizem estar apreensivos pela dificuldade de circulação que isto provoca.

    Como a Alemanha ainda é a maior economia do continente, e a principal importadora e exportadora de produtos, seus problemas internos atingem toda a Europa. O clima geral é de apreensão e expectativa negativa para os próximos tempos.

    Desburocratizar relação entre governo e empresas

    Para amenizar a situação, o ministro Habeck previu que a Alemanha voltará a crescer a partir do próximo ano, anunciando a adoção de medidas desburocratizantes na relação entre governo e empresas e a busca de um novo programa de geração de energia elétrica considerado climaticamente neutro.

    Mas as dificuldades não são pequenas. Desde 1980, sucessivos governos anunciam a intenção de desburocratizar a rotina desta relação, com resultados considerados insatisfatórios.

    Além disto, o clima geral dos mercados mundiais de comércio, finanças e investimentos produtivos também é de apreensão e cautela, devido à guerra na Ucrânia e aos confrontos no Oriente Médio, com a ação armada de Israel se expandindo na região.

    Por fim, mas não menos importante, grupos ecológicos manifestam grave preocupação diante das, crescentes resistências, por parte de empresários do setor industrial e de produtores agrícolas, em relação às iniciativas verdes, consideradas pouco rentáveis e prejudiciais diante da concorrência estrangeira. A Alemanha e a Europa como um todo podem passar de líderes no setor a novas "crianças-problemas" no que diz respeito à preservação do planeta.

  • No dia seguinte à vitória da extrema direita na Áustria, começaram nesta segunda-feira (30) as negociações para a formação de uma coligação, mas o projeto encontra resistência em razão da personalidade do líder do Partido da liberdade (FPÖ). Projeções divulgadas na noite de domingo (29) apontam para a vitória da legenda com um resultado histórico. Para integrar o governo, porém, a extrema direita depende de uma coalizão e o seu líder, o controverso Herbert Kickl, corre o risco de ser excluído do poder. Mesmo que o FPÖ ainda dependa de alianças para se aproximar do poder, o resultado das urnas na Áustria mostra um movimento mais amplo, com partidos radicais que ganham cada vez mais espaço na Europa.

    Em quase toda a Europa os partidos de extrema direita vêm crescendo em percentual de votos de eleição em eleição.

    Na Itália a extrema direita está no poder, com o governo de Giorga Meloni e seu partido, o Fratelli d’Italia.

    Na França, o Rassemblement National, liderado por Marine Le Pen, só não cresceu mais na última eleição antecipada para o Parlamento devido a uma manobra conjunta da Nova Frente Popular, das esquerdas, e de setores do partido Renaissance, do presidente Emmanuel Macron. A NFP e o partido de Macron fizeram frente comum em vários departamentos em favor do candidato que tivesse melhores condições para derrotar o Rassemblement.

    Na Alemanha o Alternative für Deutschland, Alternativa para a Alemanha, de extrema direita, cresceu significativamente nas recentes eleições regionais em três províncias alemãs. Foi mais votado na Turíngia e o segundo mais votado na Saxônia-Anhalt e em Brandemburgo, a província que circunda Berlim, assim como o estado de Goiás circunda Brasília.

    Entretanto o maior impacto que este crescimento da extrema direita produz nestes países e no continente não está no sucesso, mesmo que parcial, nas votações. Até o momento os demais partidos de todo o espectro político, das direitas tradicionais ao centro e às esquerdas têm se recusado a fazer coalizão com a extrema direita para governar.

    O maior impacto provocado pelos partidos de extrema direita é o de puxar a pauta política de quase todos os outros partidos mais para a direita, sobretudo no que se refere aos preconceitos contra refugiados e imigrantes.

    Por exemplo, na Alemanha o tradicional partido de esquerda, Die Linke, rachou. Uma de suas principais lideranças, a deputada federal Sarah Wagenknecht, formou um novo partido com seu nome. E no que se refere ao tema da imigração e dos refugiados se aproximou da pauta da direita, defendendo um maior controle nesta área para evitar o rebaixamento dos salários e direitos dos trabalhadores alemães. Teve sucesso, saindo-se bem naquelas eleições regionais antes mencionadas.

    Na França o presidente Emmanuel Macron se recusou a formar um novo governo com a Nova Frente Popular, que foi a mais votada nas eleições parlamentares, e nomeou um primeiro-ministro da direita tradicional, Michel Barnier, do partido Les Republicains (Os Republicanos), conhecido por suas posições em favor de mais restrições para a imigração. O novo ministro do Interior, Bruno Retailleau, conhecido como um político de direita linha dura, anunciou que seu programa é “ter mais ordem, mais ordem nas ruas e mais ordem nas fronteiras”.

    Entretanto, o movimento de maior impacto nestas guinadas para a direita veio do governo alemão. Este anunciou que está retomando temporariamente o controle sobre suas fronteiras terrestres com os países vizinhos para conter os imigrantes e refugiados que, a partir destes, tentam se mudar para a Alemanha.

    Schengen

    Na maior parte da Europa vige um acordo que estabelece a chamada Área de Schengen, prevendo a livre circulação de pessoas e veículos entre os seus países membros. Este acordo começou a ser costurado em 1985, quando cinco dos dez países que então compunham a Comunidade Econômica Europeia: Alemanha Ocidental, Bélgica, França, Holanda e Luxemburgo concordaram em facilitar o trânsito através de suas fronteiras. O acordo foi assinado na cidade de Schengen, em Luxemburgo, que o batizou. Posteriormente, novos acordos e admissões entraram em vigor, em 1990, mais uma vez com assinatura em Schengen, e em 1999, em Amsterdã, na Holanda. Por este último acordo, a Área de Schengen foi reconhecida como lei internacional pela União Europeia, fazendo com que ele passasse a ser um de seus pilares de sustentação.

    A medida alemã provocou reações negativas imediatas não só nos países vizinhos, mas no continente todo. Teme-se que a vigência da medida se amplie e provoque medidas semelhantes, de retaliação, em outros países, pondo em risco a existência da Área de Schengen e por tabela a própria União Europeia, pelo menos no seu formato atual.

    A existência da União sempre foi motivo de críticas por parte dos partidos de extrema direita. Mais recentemente a maioria destes partidos deixou de reivindicar o fim da União. Mas eles continuam a reivindicar a modificação do seu estatuto, em favor de um reforço das soberanias nacionais. E um dos motivos centrais destas reivindicações é o maior controle e até mesmo a repulsa a refugiados e imigrantes, sobretudo àqueles que venham do chamado Sul do mundo, ou dos países muçulmanos. O anúncio do governo alemão é visto como uma concessão diante de tais pressões.

    Como isto vai afetar a União é algo para se verificar no futuro. O risco de afetar seriamente seu estatuto não é imediato, mas não é desprezível, sobretudo num momento em que, devido à guerra na Ucrânia, crescem as inquietações sociais e econômicas em todo o continente, com guinadas à direita de muitos de seus eleitores e um retorno da valorização das atividades e investimentos militares, com vários países reforçando seus arsenais de guerra e com os Estados Unidos anunciando a reinstalação de mísseis e ogivas nucleares na Europa, além da Rússia estar anunciando mudanças em sua política em relação à contenção das armas nucleares.

    Em matéria de militarismos o currículo passado da Europa não é dos melhores, sendo que a União Europeia, em parte, foi concebida depois da Segunda Guerra como um antídoto contra o risco de tais conflitos.

  • A eleição presidencial de 2024 nos Estados Unidos está se mostrando a mais acirrada do século, possivelmente a mais disputada dos últimos 60 anos. Após o debate de 10 de setembro entre Donald Trump e Kamala Harris, as pesquisas indicam uma leve vantagem nacional para a vice-presidente, mas a margem é tão estreita que ainda é impossível prever um vencedor, especialmente considerando o Colégio Eleitoral.

    Thiago de Aragão, analista político

    As pesquisas divulgadas no último domingo pela CBS News e NBC News foram algumas das mais favoráveis a Harris até o momento, mostrando-a à frente de Trump por 4 e 5 pontos, respectivamente. No entanto, mesmo esses números estão dentro da margem de erro e são significativamente menores do que as vantagens que os candidatos democratas tiveram em 2016 e 2020 nas mesmas fases da campanha. Isso evidencia a dificuldade que Harris enfrenta para consolidar uma liderança clara nas pesquisas nacionais.

    Analisando todas as pesquisas nacionais conduzidas desde o debate – incluindo ABC News/Ipsos, Fox News e The New York Times/Siena College – a média mostra Harris liderando por apenas 3 pontos, de acordo com a mais recente CNN Poll of Polls. Esse padrão tem se mantido durante todo o ano, com nenhum dos candidatos abrindo uma vantagem superior a 5 pontos. O fato de nenhum candidato ter liderado por pelo menos 5 pontos neste ciclo é notável, indicando que os eleitores estão altamente polarizados e firmes em suas escolhas.

    O que torna essa eleição particularmente imprevisível é a dinâmica do Colégio Eleitoral. Trump tende a ter uma posição mais favorável nesse sistema devido à distribuição geográfica de seus eleitores, especialmente entre os brancos sem diploma universitário, que são super-representados em estados decisivos. Estimativas sugerem que Harris precisaria vencer o voto popular por mais de 3 pontos para ser considerada favorita no Colégio Eleitoral, um patamar que ela ainda não alcançou.

    De acordo com as avaliações atuais da CNN, Harris começa com 225 votos eleitorais contra 219 de Trump, com sete estados e um distrito no Nebraska ainda em disputa. Harris parece ter uma ligeira vantagem em Michigan, Pensilvânia e Wisconsin, enquanto Trump está um pouco à frente no Arizona e na Geórgia. No entanto, em todos esses estados, a diferença média é de apenas 1 a 2 pontos, colocando-os bem dentro da margem de erro.

    Estratégia multifacetada

    Kamala Harris tem adotado uma estratégia multifacetada para tentar superar esses desafios. Diferentemente de Joe Biden em 2020, que frequentemente retratava Trump como uma ameaça direta à democracia, Harris está optando por uma abordagem que busca diminuir Trump aos olhos do público ao mesmo tempo em que alerta sobre os perigos reais de suas políticas. Ela enfatiza tanto o aspecto "não sério" de Trump – destacando suas declarações controversas e comportamentos erráticos – quanto os riscos concretos que sua eleição poderia representar.

    Assessores e estrategistas da campanha de Kamala explicam que essa abordagem reflete a percepção dos eleitores: eles veem Trump como um indivíduo que não é sério, mas reconhecem a seriedade das consequências de uma possível reeleição do republicano. Harris utiliza momentos estratégicos, como debates e entrevistas, para destacar essas dualidades, tentando criar um contraste nítido entre sua competência e o comportamento de Trump.

    Além disso, Harris está investindo fortemente em ampliar seu alcance, especialmente entre os eleitores jovens e do sexo masculino, grupos nos quais ela tem enfrentado desafios conforme apontado pelas pesquisas. Reconhecendo a necessidade de se conectar com esses eleitores, a campanha planeja diversificar suas aparições na mídia, incluindo participações em programas e plataformas que tradicionalmente não são frequentados por candidatos democratas. Essa estratégia visa quebrar barreiras e conquistar segmentos do eleitorado que podem ser decisivos nos estados-chave.

    Outro elemento central da estratégia de Harris é a necessidade de se apresentar ao eleitorado de forma mais pessoal e autêntica. Diferentemente de Biden, que já tinha um reconhecimento significativo antes de sua candidatura, Harris ainda está se apresentando a muitos americanos. A campanha reconhece que, à medida que mais pessoas conhecem sua história e suas propostas, sua popularidade tende a crescer. Nesse sentido, Harris tem enfatizado sua origem de classe média e sua trajetória como filha de mãe trabalhadora. Ao compartilhar suas experiências pessoais, ela busca criar conexões emocionais com eleitores que se sentem desconectados da política tradicional.

    Indecisos

    Os desafios, porém, são significativos. A estreita margem nas pesquisas, combinada com a possibilidade de erros históricos nas previsões – como ocorreu em 2016 e 2020 –, significa que nada está garantido. A campanha de Harris está ciente de que precisa não apenas manter sua base de eleitores, mas também persuadir os indecisos e talvez até conquistar alguns eleitores que tradicionalmente votam nos republicanos.

    Eventos recentes, como revelações controversas sobre figuras políticas alinhadas a Trump, podem influenciar a percepção pública e oferecer oportunidades para Harris fortalecer sua posição nos estados-chave. A campanha está atenta a essas dinâmicas e pretende aproveitá-las ao máximo.

    A eleição presidencial de 2024 é, sem dúvida, uma das mais intensas e imprevisíveis da história recente dos Estados Unidos. Com os candidatos empatados nas pesquisas e cada voto potencialmente decisivo, as próximas semanas serão cruciais. Kamala Harris está adotando uma estratégia que combina crítica contundente a Donald Trump com esforços para ampliar seu apelo junto a diversos segmentos do eleitorado. Sua capacidade de se conectar com os eleitores, apresentar propostas claras e aproveitar as oportunidades que surgirem poderá ser determinante para o resultado final.

    Independentemente do resultado, esta eleição servirá como um estudo de caso sobre a eficácia das estratégias de campanha em um ambiente político altamente polarizado e sobre a importância dos estados-chave no sistema eleitoral americano. A trajetória de Kamala Harris e sua abordagem inovadora podem redefinir as estratégias políticas futuras e oferecer insights valiosos sobre como conquistar o eleitorado em tempos de intensa divisão política.

  • Será a Alemanha uma ameaça para o restante da Europa? Calma: não estou falando de uma guerra, embora graças ao conflito na Ucrânia muitos países do continente, inclusive a Alemanha, estejam aumentando seus orçamentos militares. Estou falando de um outro campo de batalha: a economia.

    Flavio Aguiar, analista político, de Berlim para a RFI

    Na semana passada uma parte de uma das principais pontes da cidade de Dresden, na província da Saxônia, quebrou-se durante a madrugada e desabou no rio Elba. Equipes de engenharia passaram o fim de semana trabalhando febrilmente para remover os destroços, pois teme-se uma inundação com a cheia do rio, graças a intensas chuvas e neve precoce em sua cabeceira e sobre alguns de seus afluentes.

    Ouvi no rádio o comentário de um economista dizendo que esta era uma metáfora perfeita para a economia alemã. Esta vem desabando e a queda vem provocando um efeito cascata no continente, devido ao fato de que muitos outros países dependem das importações da e exportações para a Alemanha, cuja economia ainda é a mais forte da Europa.

    Depois de um longo período de prosperidade no começo do século XXI, os problemas da economia alemã começaram com a pandemia da COVID-19, que afetou seriamente o comércio, os serviços e os transportes. De início pequenos e médios estabelecimentos fecharam suas portas e, em seguida, a crise chegou às grandes lojas de departamentos. Para complicar mais a situação, uma parte dos consumidores acostumou-se a fazer compras pela internet. Os efeitos mais dramáticos da pandemia passaram, mas o hábito de comprar à distância não.

    Guerra na Ucrânia agravou a situação

    Até hoje grandes lojas estão fechando filiais pelo país afora. A situação se agravou com a guerra entre a Rússia e a Ucrânia. A Alemanha aderiu ao fornecimento de armas, ao apoio financeiro ao governo de Kiev e às sanções econômicas contra a Rússia. Os gasodutos Nord Stream 1 e 2, este último em construção, que traziam o gás russo para a Alemanha foram sabotados em setembro de 2022, num episódio até hoje não esclarecido. Em consequência de todo este processo, o fornecimento do gás russo foi interrompido bruscamente, atingindo seriamente a indústria alemã, que começou a encolher.

    Insumos agrícolas que vinham da Ucrânia também foram prejudicados pela guerra. O custo da energia subiu vertiginosamente, o dos alimentos também. A economia alemã se retraiu e o país se encontra agora à beira do abismo de uma recessão prolongada.

    Segundo Franciska Palma, analista da londrina Capital Economics, a queda na economia alemã começou em 2018 e se agravou a partir de 2020 e depois de 2022, e não há sinais de pronta recuperação. Em 2023, a economia do país caiu em 0,3%. A previsão para 2024 é de crescimento zero. Apesar dos esforços do governo, a situação não deve melhorar em 2025.

    Para responder à crise, Berlim deseja promover a biotecnologia, as tecnologias verdes, a Inteligência Artificial e as indústrias da defesa, isto é, militares. Mas está amarrado pelo princípio de que a dívida pública, ou déficit orçamentário, não pode ultrapassar os 0,35% do Produto Interno Bruto (PIB).

    Houve uma queda de braço interna à coalizão do governo, formada pelo SPD socialdemocrata, os Verdes e o liberal FDP (de Freie Demokratische Partei). Os Verdes e o SPD queriam aumentar o percentual da dívida pública em relação ao PIB, mas o FDP fechou questão e ganhou a parada: só permaneceria no governo se os 0,35% fossem mantidos.

    Desindustrialização

    O resultado de tudo é que a Alemanha entrou num processo acelerado de desindustrialização, arrastando consigo o continente todo. De julho de 2023 a julho de 2024 a produção industrial alemã caiu em 5,45%, índice superado apenas pela queda do setor na Hungria ( -6,4%) e na Estônia ( -5,8%). O recuo global foi de 2,2% na Zona do Euro e de 1,7% na União Europeia.

    Um sinal agudo da crise apareceu na Volkswagen, empresa culturalmente ligada à identidade alemã. Acossada também pela queda nas importações chinesas e pela concorrência deste país dentro da Europa, pela primeira vez em seus quase 90 anos de existência a empresa anunciou a disposição de fechar unidades de produção para equilibrar as contas. A montadora também anunciou a decisão de romper um acordo trabalhista de 30 anos com o sindicato dos trabalhadores, que protege salários e empregos. Como o sindicato tem uma forte representação no Conselho Diretor da empresa, a batalha promete ser dura. Como também a luta pela recuperação e pelo equilíbrio na economia alemã e europeia promete ser tenaz e longa.

  • No que promete ser um dos confrontos mais intensos e inesperados da política americana, Donald Trump e Kamala Harris vão finalmente se enfrentar. Com o cenário montado no National Constitution Center, na Filadélfia, a expectativa é alta, não só pelo histórico dos dois candidatos, mas também pelas circunstâncias inusitadas que colocaram Harris na disputa. E se depender do eleitorado, o entusiasmo não poderia ser maior.

    Thiago de Aragão, analista político

    Há menos de dois meses para as eleições, Harris conseguiu algo que parecia impossível: reverter a vantagem confortável de Trump nas pesquisas após a saída de Joe Biden da corrida presidencial. O atual chefe da Casa Branca, que viu sua campanha desmoronar depois de uma performance desastrosa no debate anterior, passou o bastão para sua vice, mudando completamente o rumo da disputa. Em menos de dois meses, ela foi capaz de transformar um cenário sombrio em uma eleição acirrada.

    Mas o que está em jogo no próximo debate? E será que Harris, com sua trajetória de promotora, vai conseguir confrontar o ex-presidente no palco?

    A primeira grande polêmica envolve a ausência de microfones abertos. Harris, cuja habilidade de argumentação afiou nos tribunais, claramente favorece debates com interações mais diretas, e sua campanha já expressou insatisfação com o formato escolhido. Em uma carta enviada à ABC, o time de Harris deixou claro que o formato sem microfones abertos colocaria a vice-presidente em desvantagem, evitando que Trump seja confrontado diretamente.

    Por outro lado, o time de Trump se mostrou confiante, aceitando as regras impostas pela ABC sem grandes questionamentos. Seria essa a tática de Trump para se esquivar das investidas mais contundentes de Harris? Ele, afinal, tem um histórico de usar interrupções e ataques diretos como estratégia, e a ausência de microfones abertos pode limitar esse estilo combativo.

    Embora Harris tenha conseguido recuperar pontos nas pesquisas, muitos de seus aliados ainda a consideram a “zebra” neste debate. E com razão. Afinal, Trump tem mais experiência em debates gerais – essa será sua sétima vez em um palco presidencial. Sua equipe, no entanto, parece ter adotado uma abordagem mais tranquila em relação à preparação. O ex-presidente decidiu não utilizar um “sparring” para simular o estilo de Harris, preferindo o seu infame “policy time,” em que ele discute políticas de forma informal com assessores.

    Já o lado de Harris não deixou nada ao acaso. Sua equipe de preparadores inclui veteranos do Partido Democrata, como Rohini Kosoglu e Karen Dunn. Além disso, ela teve a vantagem de contar com conselhos de peso, como os do próprio Biden e de Hillary Clinton, os únicos dois democratas a enfrentarem Trump diretamente. A pergunta que fica no ar é: será que toda essa preparação vai fazer frente ao estilo imprevisível de Trump?

    Temas em discussão e desafios

    Uma das maiores cartas de Trump é sua capacidade de capitalizar em temas econômicos e de imigração, áreas nas quais ele, historicamente, teve vantagem sobre Biden. O desafio de Harris será distanciar-se das falhas da administração Biden e convencer o eleitorado de que ela representa uma alternativa melhor. A boa notícia para a vice-presidente é que suas medidas centristas, como sua promessa de combater os gigantes dos supermercados, têm encontrado ressonância entre eleitores preocupados com a alta dos preços.

    Mas, ao mesmo tempo, Trump não se cansa de tentar associar Harris às políticas impopulares de Biden, como a retirada caótica das tropas americanas do Afeganistão. Sua tática será tentar fazer com que Harris “carregue” os erros da administração anterior, mesmo que Biden fosse o presidente na época.

    No entanto, Harris não vai deixar essa narrativa se solidificar facilmente. Ela já atacou Trump por transformar o que deveria ser um tributo aos soldados americanos mortos no Afeganistão em um “espetáculo político,” depois que o ex-presidente gravou vídeos de campanha em um cemitério militar. Essa troca de farpas será provavelmente intensificada no debate.

    Outro ponto sensível será a forma como Trump abordará Harris no palco. Seus assessores já demonstraram preocupação de que o estilo agressivo de Trump pode soar mal quando confrontado com uma mulher. Em 2020, Harris mostrou que sabe se defender em situações como essa. Quem não se lembra de seu famoso “Senhor Vice-Presidente, eu estou falando” durante o debate com Mike Pence?

    Trump, no entanto, parece alheio a essa preocupação. Ele já começou a tecer comentários racistas e sexistas sobre Harris, o que pode acabar alienando ainda mais eleitoras – uma demografia com a qual Trump já tem dificuldades. Com 58% de avaliação negativa em uma pesquisa recente da ABC/Ipsos, a questão é se Trump está jogando para sua base ou tentando realmente conquistar eleitores indecisos.

    Seja qual for o resultado, o debate entre Trump e Harris será um dos mais comentados da história recente dos Estados Unidos. De um lado, um ex-presidente que tenta, a todo custo, manter sua narrativa de “outsider” enquanto ataca sem filtros. Do outro, uma vice-presidente com um histórico de enfrentamentos afiados, pronta para mostrar que pode não só desafiar Trump, mas também se estabelecer como uma figura independente dentro do Partido Democrata.

    O palco está montado, as estratégias estão em ação. Agora resta ver quem vai conseguir dominar o centro do palco e, com ele, o coração dos eleitores americanos.

  • O governo alemão decidiu endurecer sua política em relação a refugiados considerados em situação ilegal no país. Na semana passada, já houve a deportação de um primeiro grupo para seu país de origem, o Afeganistão.

    Flávio Aguiar, analista político

    A decisão aconteceu na sequência de um atentado a facadas na cidade de Solingen, perto de Colônia e Bonn, a antiga capital da Alemanha Ocidental. O atentado deixou um saldo trágico de três mortos e vários feridos, alguns com gravidade. A polícia deteve um suspeito, um cidadão sírio que havia pedido asilo no país, mas foi negado. O acusado desapareceu, só reaparecendo no trágico incidente em Solingen.

    Ele foi admitido na Bulgária e de lá passou para a Alemanha. O governo alemão aprovou sua deportação para a Bulgária, que concordou com a decisão, mas ela acabou não acontecendo devido ao desaparecimento do acusado.

    A organização Estado Islâmico divulgou um vídeo em que reivindicava a autoria de atentado como uma “vingança” pelo que estava acontecendo com os palestinos na Faixa de Gaza.

    Seguiu-se um tumulto político, em que o líder do principal partido de oposição, Friedrich Merz, da União Democrata Cristã, acusou de negligência o governo do chanceler Olaf Scholz, do Partido Social Democrata (SPD, na sigla em alemão), e propôs uma ação conjunta para solucionar o problema.

    Surpreendentemente o chanceler aceitou a proposta, o que levantou receios de que sua coalizão de governo, formada também pelo Partido Verde e o Partido Liberal Democrático (FDP, na sigla em alemão), rachasse. Isto não aconteceu, pois os líderes deste partido apoiaram a decisão de Scholz.

    Na Alemanha, há mais de 50 mil ordens de deportação contra refugiados que tiveram seus pedidos de asilo negados. Entretanto, destas, até o momento, somente pouco mais de 20 mil foram efetivadas. A esmagadora maioria delas atinge originários de nações africanas ou do Oriente Médio, muitos dos quais entraram na União Europeia através de outros países, dirigindo-se depois para a Alemanha.

    Scholz comprometeu-se a restringir essa possibilidade de acesso, além de agilizar as deportações já aprovadas e o julgamento dos casos pendentes.

    Avanço da oposição tradicional e da extrema direita

    O debate e as medidas restritivas ocorrem num momento em que acontecem eleições regionais em estados do antigo Leste alemão, a Turíngia e a Saxônia, e o governo federal se vê acossado pelo crescimento nas intenções de voto da oposição tradicional - a União Democrata Cristã - e da extrema direita, no partido Alternative für Deutschland (AfD), Alternativa para a Alemanha. Este último radicalmente voltado contra imigrantes e refugiados, vem ditando a pauta sobre esta questão no país, assim como acontece em outras nações do continente.

    Para complicar o cenário, a economia alemã vem se retraindo nos últimos tempos, num processo de desindustrialização, apesar dos esforços por parte do governo de revitalizar a indústria bélica alemã.

    Neste quadro, à beira do abismo de uma recessão prolongada, a busca de bodes expiatórios prospera. Os candidatos que costumam ser os alvos são os emigrados provenientes do chamado Terceiro Mundo, em particular os muçulmanos, sobre os quais sempre paira a suspeita, na maioria das vezes indevida, de adesão a grupos terroristas.

    Organizações de defesa dos direitos humanos, como a Caritas, vêm manifestando preocupação de que esta circunstância possa desandar num quadro de discriminação generalizada.

    Estes últimos episódios na Alemanha se dão em um contexto continental de crescimento das discriminações contra estrangeiros não europeus. Como aconteceu recentemente no Reino Unido, onde um ataque fatal contra crianças, também a facadas, deflagrou uma série de vandalismos contra mesquitas e centros de acolhimento de imigrantes, insuflados por mensagens mentirosas, de extrema direita, sobre a identidade do assaltante, divulgadas na internet.

    Durante os dez anos e meio do governo da chanceler Angela Merkel, da União Democrata Cristã, a Alemanha destacou-se por uma política generosa de acolhimento de imigrantes e refugiados de todas as partes do mundo. Agora esta abertura vem se fechando gradativamente, em parte por pressões de seu próprio partido, que, em disputa com o Alternative für Deutschland, arrisca voltar-se, também como a coalizão governamental, para políticas que revigoram o fantasma da xenofobia e da discriminação.

  • As fake news, que se espalharam rapidamente nas redes sociais, estão na origem da onda de violência anti-imigração que sacudiu o Reino Unido no início do mês de agosto. Os protestos aconteceram após o assassinato de três meninas a facadas, no noroeste da Inglaterra.

    Flávio Aguiar, analista político

    No último dia 29 de julho, por volta do meio-dia, na cidade de Southport, no noroeste da Inglaterra, um jovem de 17 anos irrompeu numa festa infantil numa escola de dança e ioga, organizada por uma de suas professoras. Armado de faca, o jovem provocou a morte de três crianças, de 6, 7 e 9 anos, feriu outras oito e mais dois adultos que tentaram protegê-las, inclusive a professora que organizara o evento.

    A polícia e ambulâncias acorreram em minutos. Preso em flagrante, o jovem foi identificado como Axel Rudakubana, de 17 anos, cidadão britânico, filhos de pais vindos de Ruanda, na África. Como se tratava de um menor de idade, por motivos legais a polícia não divulgou imediatamente sua identidade.

    Na sequência, as especulações mentirosas começaram a circular nas redes sociais.

    Em 24 horas, proliferaram 27 milhões de acessos a uma mensagem que identificava o suspeito como muçulmano (o que não era verdade) e dava-lhe um falso nome. Outras mensagens o identificavam como um refugiado ilegal, que chegara à Inglaterra de barco, em busca de asilo.

    “Influencers” e um site identificado como Channel3Now (que depois se desculparia) disseminaram rapidamente tais mensagens. Um destes “influencers” bradava que “a alma do homem ocidental se dilacera quando invasores matam suas filhas”.

    Uma outra mensagem - gerada por Inteligência Artificial - punha em cena na plataforma X (antigo Twitter), a imagem de alguns homens que vestiam trajes supostamente muçulmanos, armados de facas, perseguindo uma criança, tendo o Parlamento Britânico ao fundo, com os dizeres “precisamos proteger nossas crianças”.

    Protestos violentos anti-imigrantes

    De imediato, em Southport, uma multidão passou a atacar uma mesquita, entrando em confronto com a polícia. Segundo fontes policiais, o protesto foi insuflado por pessoas que não moravam na cidade. Ataques contra mesquitas e centros de acolhimento de refugiados e imigrantes se espalharam por diversas cidades da Inglaterra, inclusive as populosas Londres e Manchester.

    O caso chamou a atenção de pesquisadores sobre a relação entre grupos extremistas, sobretudo de extrema direita, e o uso da Inteligência Artificial.

    Pesquisadores do Middle East Media Research, dos Estados Unidos, chamaram a atenção para seu relatório que mapeia dezenas de casos semelhantes. O relatório mostra que tais grupos, valendo-se de ferramentas da Inteligência Artificial, gravam as vozes e as imagens de artistas, políticos e outras pessoas famosas. Depois disseminam mensagens falsas como se fossem deles, afirmando a supremacia branca e atacando negros, muçulmanos e judeus.

    Segundo o pesquisador do grupo NETLab, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, grupos extremistas de direita disseminam mensagens com instruções que chegam até a ilustrar a fabricação de armas e explosivos, sempre com o uso de ferramentas da Inteligência Artificial. Na América Latina os alvos preferenciais de tais mensagens têm sido o México, a Colômbia, o Equador e a Argentina.

    Os pesquisadores do tema chamam a atenção para o fato de que este uso da Inteligência Artificial também se dissemina entre organizações terroristas como o Estado Islâmico e a Al Qaïda.

    Na Inglaterra, os ataques arrefeceram depois que grandes manifestações antirracistas tomaram as ruas de dezenas de cidades britânicas. Pesquisas mostraram que 85% da população rejeitava a violência. Entretanto, 42% dos entrevistados reconheciam a legitimidade de manifestações com aquelas motivações, desde que fossem pacíficas.

  • Na sequência da abertura dos Jogos Olímpicos em Paris tivemos a oportunidade de assistir um verdadeiro festival de fanatismo, de intolerância confusa e também de ignorância difusa. Um dos quadros apresentados no desfile inaugural provocou uma enxurrada furiosa de críticas, alegando que ele ofendia sentimentos cristãos ao parodiar o quadro “A Última Ceia”, de Leonardo da Vinci.

    Flávio Aguiar, analista político

    As críticas vieram de várias fontes, de vários ângulos, e pelo menos de dois continentes: Europa e América, todas preocupadas em proteger a fé religiosa contra a suposta impiedade sacrílega dos organizadores e atores do festim olímpico.

    Protagonizaram as falas bispos e arcebispos conservadores da Igreja Católica, políticos da extrema direita francesa, italiana e também da brasileira e até o candidato à presidência dos Estados Unidos, Donald Trump, numa entrevista à Fox News.

    Um detalhe curioso: na entrevista, Trump não menciona o quadro olímpico. Quem o faz é a jornalista que formula as perguntas. Ele se limita a comentar: “um desastre”, “uma desgraça”, etc. Este detalhe sugere que a jornalista está ansiosa por induzir o comentário, o que, de certo modo, já desqualifica a entrevistadora, a entrevista e a opinião do entrevistado.

    Os críticos sugeriam que, ao parodiar o famoso quadro, o desfile insultava o evento bíblico que ele representa, a narrativa da última ceia de Jesus Cristo com os apóstolos, logo antes da crucificação. No entanto, os críticos demonstraram que não souberam “ler” nem a pintura de Da Vinci, nem o quadro cênico do desfile.

    Há diferenças substantivas entre eles. Para começo de conversa, no quadro de Da Vinci há treze figurantes, incluindo o Cristo. No quadro olímpico há um número bem maior de personagens, pelo menos 17 somente no primeiro plano. Neste, se no centro da mesa há um personagem com uma espécie de halo prateado em torno da sua cabeça, quem preside de fato a cena, no primeiríssimo plano, é uma representação de deus do vinho - o Dionísio grego ou o Baco dos romanos - cujo corpo está coberto por uma cor azul, coisa completamente estranha ao quadro de Da Vinci.

    Neste quadro quem preside a cena é o próprio Cristo, cujo corpo, de braços abertos e caídos, representa um triângulo - imagem alegórica da Santíssima Trindade, Pai, Filho e Espírito Santo.

    Também deve-se levar em conta que Da Vinci focaliza um momento específico da Última Ceia, aquele em que Jesus anuncia que um dos apóstolos o trairá. É, portanto, um momento extraordinariamente dramático do evento.

    Nada disto transparece na representação parisiense. Ela não representa uma ceia, mas um banquete prazeroso e alegre. Não há traição nela. Pelo contrário, há festa e congraçamento.

    Há um único elemento comum entre ambas as manifestações artísticas: o vinho. Mas em Da Vinci, na sequência do momento focalizado, ele representará o sangue do próprio Cristo. No desfile, ele não é consagrado nem santificado, mas é apresentado pelo deus Dionísio como um símbolo do prazer inebriante.

    Em resumo, se há uma referência artística por trás do desfile, não se trata da Última Ceia, do quadro “O Festim dos Deuses”, do pintor holandês Jan van Bijlert, do século XVII, hoje no Museu Magnin, em Dijon, na França. Ele representa o banquete do casamento da ninfa ou nereida Tétis com o rei Peleus, pais do guerreiro Aquiles, do poema “A Ilíada”, de Homero. O banquete é presidido pelo deus Apolo, ou Hélios, com um halo luminoso ao redor da cabeça, e tem, no primeiro plano, o deus Dionísio, ou Baco, além de um sátiro dançarino.

    Convenhamos: este quadro tem mais a ver com a tradição da antiguidade grega, fundadora dos jogos olímpicos clássicos que inspiraram os modernos, do que o quadro de Da Vinci. Porém, o fanatismo religioso dos críticos da extrema direita fundamenta também sua ignorância preconceituosa, comprovando que eles nada entendem de história da arte, nem de jogos olímpicos, muito menos de tradição bíblica.

    Por último, mas não menos importante, deve-se ressaltar que a fúria dos críticos foi alimentada pelo fato dos atores da representação, na abertura dos jogos, serem personalidades da cena LGBTQIA+ francesa, o que acrescenta ao seu bolo indigesto o fermento do preconceito homofóbico e sexista.

  • Kamala Harris, vice-presidente dos Estados Unidos, agora é a candidata preferida do Partido Democrata para as eleições presidenciais de 2024. Com Joe Biden fora da corrida, surgem várias questões sobre como Harris pode conquistar a vitória e quem poderia ser seu parceiro ideal como vice. Vamos explorar os caminhos possíveis para sua vitória e os nomes que podem fortalecer sua chapa

    Thiago de Aragão, analista político

    A vitória de Harris vai depender, como sempre, do desempenho nos "estados-pêndulo" ["swing states", em inglês]. Em 2020, Joe Biden garantiu a Casa Branca vencendo em seis desses estados mais disputados: Michigan, Wisconsin, Pensilvânia, Nevada, Arizona e Geórgia. A exceção foi a Carolina do Norte, que ficou com Trump.

    Harris tem um desafio específico no Rust Belt (Michigan, Wisconsin e Pensilvânia), onde Biden se deu bem entre os eleitores brancos da classe trabalhadora. Harris pode ter dificuldades com esse grupo, mas tem um trunfo com os eleitores não-brancos, o que abre possibilidades em estados com grandes populações negras (Geórgia e Carolina do Norte) e hispânicas (Arizona e Nevada).

    Cenários para a Vitória

    Perdendo os Três Estados do Rust Belt

    Se Harris perder Michigan, Wisconsin e Pensilvânia, ela precisa vencer nos quatro estados do Sun Belt (Geórgia, Carolina do Norte, Nevada e Arizona) para alcançar 275 votos no Colégio Eleitoral. Isso exige um aumento significativo no apoio dos eleitores negros e hispânicos.

    Vitória em Michigan, Perda em Wisconsin e Pensilvânia

    Com os 15 votos eleitorais de Michigan, Harris teria duas opções: vencer tanto na Geórgia quanto na Carolina do Norte, ou uma combinação de Geórgia, Nevada e Arizona.

    Vitória em Michigan e Pensilvânia, Perda em Wisconsin

    Nesse cenário, Harris ficaria com 260 votos eleitorais e precisaria vencer em um dos estados do Sun Belt (Geórgia, Carolina do Norte ou Arizona) para garantir a vitória.

    A escolha do vice-presidente é essencial para complementar a chapa e atrair eleitores dos estados-chave. Vários nomes estão sendo considerados, incluindo governadores de estados swing e figuras moderadas que podem ampliar o apelo de Harris.

    Josh Shapiro, governador da Pensilvânia, é um dos favoritos. A Pensilvânia é um estado crucial, e Shapiro tem uma sólida reputação como moderado pragmático, o que poderia garantir os 19 votos eleitorais do estado, frequentemente decisivos em eleições presidenciais.

    Outro nome em destaque é Tim Walz, governador de Minnesota. Conhecido por suas políticas progressistas e por atrair eleitores jovens, Walz tem um histórico de sucesso em questões como a legalização da maconha recreativa, controle de armas e direitos LGBTQ+. Sua presença na chapa poderia energizar a base progressista do Partido Democrata e fortalecer o apoio no Centro-Oeste.

    JB Pritzker, governador de Illinois, também é uma opção viável. Como uma estrela em ascensão dentro do Partido Democrata, Pritzker traz um histórico de sucesso econômico e políticas progressistas que podem atrair uma ampla gama de eleitores.

    Seu trabalho em fortalecer a economia de Illinois e em políticas de saúde pública pode servir como um poderoso contraponto aos ataques republicanos e ajudar a mobilizar eleitores em estados-chave.

    Pete Buttigieg, atual secretário de Transporte e ex-prefeito de South Bend, Indiana, tem uma experiência significativa em campanhas presidenciais e é visto como um nome capaz de atrair eleitores moderados e jovens. Buttigieg se destacou nas primárias de 2020, demonstrando uma capacidade notável de comunicação e engajamento com diversos grupos demográficos. Sua inclusão na chapa poderia ajudar a ampliar o apelo de Harris entre eleitores indecisos e reforçar a imagem de renovação e diversidade do Partido Democrata.

    Finalmente, o senador Mark Kelly do Arizona é outro nome que está sendo considerado para a vice-presidência. Como ex-astronauta e veterano militar, Kelly traz uma narrativa de serviço público e sacrifício que ressoa fortemente com muitos eleitores. Sua eleição para o Senado em um estado tradicionalmente republicano como o Arizona demonstra sua capacidade de conquistar apoio bipartidário. A presença de Kelly na chapa poderia solidificar o apoio no Arizona e em outros estados do Sun Belt, regiões onde Harris precisa performar bem para garantir a vitória.

    Desde que se tornou a candidata presumível, Harris tem mostrado desempenho superior ao de Biden em estados-chave. Pesquisas recentes indicam que Harris está reduzindo a vantagem de Trump, especialmente em estados do Sun Belt como Geórgia e Arizona. Em comparação com Biden, Harris está conseguindo reconquistar eleitores jovens e minorias, segmentos em que Biden vinha enfrentando dificuldades.

    A decisão de Biden de sair da corrida parece ter sido bem recebida pela maioria dos eleitores, aumentando o entusiasmo e a coesão dentro do Partido Democrata. A campanha de Harris arrecadou US$ 200 milhões na primeira semana após o anúncio de Biden, com um influxo significativo de novos doadores e voluntários.

    Kamala Harris enfrenta um caminho desafiador, mas não impossível, para a vitória presidencial. Com múltiplos caminhos para alcançar os 270 votos no Colégio Eleitoral, sua estratégia dependerá de equilibrar a manutenção do apoio nos estados do Rust Belt e expandir seu apelo nos estados do Sun Belt. A escolha de um vice-presidente adequado será crucial para complementar suas forças e cobrir suas fraquezas.

    As pesquisas iniciais são promissoras e mostram que Harris tem potencial para se sair melhor do que Biden, especialmente entre eleitores não-brancos e jovens. A campanha está apenas começando, mas os sinais iniciais são de uma disputa acirrada e competitiva.

  • Existe um “Centrão” na Europa? Existe, embora com um sentido diferente do brasileiro. No nosso país a palavra designa um grupo enorme de parlamentares no Congresso Nacional que, entra governo, sai governo, fisiologicamente negociam apoios, favores, verbas e orçamentos em proveito próprio. Mas na Europa a situação é diferente.

    Flávio Aguiar, analista político, de Berlin

    O que existe na Europa é um agrupamento de partidos e blocos designados na mídia como centro-direita, centro e centro-esquerda, que, de eleição em eleição, domina o cenário político em diferentes combinações e coalizões.

    Fazem parte do “Centrão Europeu” partidos considerados conservadores, como o Renaissance de Emmanuel Macron na França ou a União Democrata Cristã na Alemanha, liberais, como o FDP (de Freie Demokratische Partei) na Alemanha, os partidos social-democratas ou até alguns socialistas. Eles governam de acordo com uma cartilha liberal na economia, cultuam uma austeridade fiscal ao lado de programas sociais mais ou menos moderados, manifestam preocupações ambientais, ao lado de um protecionismo agrário em alguns casos, guardam uma fidelidade à OTAN e, mais recentemente, manifestam uma vigorosa hostilidade à Rússia, apoiando vigorosamente o governo de Kiev na guerra contra Moscou.

    Este bloco central da política europeia sofreu alguns abalos, sobretudo na França e na Alemanha. Do lado francês, o partido do presidente Emmanuel Macron amargou uma derrota contundente para a extrema-direita de Marine Le Pen na eleição para o Parlamento Europeu em junho passado, coisa que fez o chefe do executivo dissolver a Assembleia Nacional, convocando novas eleições. Neste pleito, seu partido demonstrou uma certa recuperação, mas ficou em segundo lugar diante da Nova Frente Popular dos partidos de esquerda, que desta vez atraíram o Partido Socialista. Do lado alemão sucedeu algo semelhante, com o Partido Social Democrata do chanceler Olaf Scholz sendo superado pelo Alternative für Deutschland (AfD), de extrema-direita, embora o partido mais votado, na realidade, tenha sido a tradicional e conservadora União Democrata Cristã. Grande parte da mídia apontou o crescimento da extrema-direita como o fato mais marcante daquelas eleições.

    Ao mesmo tempo o costume da rotatividade na presidência no Conselho Europeu, órgão que reúne os chefes de estado da União Europeia, fez que ela coubesse agora ao chefe do governo húngaro Viktor Orbán, de extrema-direita. O primeiro-ministro provocou alguns abalos sísmicos na União, fazendo visitas inesperadas a Vladimir Putin (embora precedida por uma ida a Kiev), à China e a Donald Trump nos Estados Unidos. Aquelas balizas consensuais dos blocos dominantes no continente pareciam correr o risco de desmoronar.

    Mas a reação do que chamamos metaforicamente de “Centrão europeu” não tardou, capitaneada por partidos da direita ou centro-direita convencional. Na semana passada ela propiciou duas vitórias importantes para este grande bloco que, apesar dos pesares, continua hegemônico na União Europeia.

    A primeira vitória veio com a eleição de Yaël Braun-Pivet para a presidência da Assembleia Nacional francesa. Do mesmo partido do presidente Emmanuel Macron, com 220 votos ela derrotou o comunista André Chassaigne, da Nova Frente Popular, e Sébastien Chenu, do Reunião Nacional de Marine Le Pen, que tiveram, respectivamente, 207 e 141 votos. O partido de Macron conseguiu fazer uma aliança com os conservadores do partido Os Republicanos, preocupados estes em impedir a ascensão das esquerdas ao governo.

    A segunda vitória veio com a reeleição, no Parlamento Europeu, de Ursula von der Leyen, da União Democrata Cristã alemã, para a presidência da Comissão Europeia, órgão executivo da União. Inicialmente a política alemã ensaiou uma aproximação com a primeira-ministra italiana, Georgia Meloni, de um dos blocos de extrema-direita no Parlamento Europeu. A iniciativa pegou mal. O chanceler alemão, Olaf Scholz, ameaçou retirar seu apoio a ela, caso a aproximação com Meloni prosseguisse. Ursula von der Leyen recuou, e passou a procurar os outros blocos, considerados “democráticos”, incluindo os Verdes, ao lado dos socialistas e social-democratas e os liberais.

    Ela conseguiu um apoio maciço, se reelegendo com 401 votos favoráveis, bem mais do que os 383 votos que obteve quando de sua primeira eleição, em 2019. Desta vez houve 284 votos contrários a ela, além de 22 votos nulos ou em branco. Mas ela garantiu, portanto, mais cinco anos como presidenta da Comissão Europeia.

    Entretanto deve-se assinalar que o cenário político da União Europeia está passando por rearranjos significativos. Viktor Orbán está rearticulando a extrema-direita no Parlamento Europeu, demonstrando a pretensão de se tornar uma liderança europeia e mundial.

    Na França, depois da derrota na disputa pela presidência da Assembleia Nacional, o bloco de esquerda, a Nova Frente Popular, reagiu e na eleição subsequente, para a Mesa Diretora, conseguiu 12 dos 21 postos em disputa. Ou seja, tanto von der Leyen quanto Emmanuel Macron terão de agir com muita cautela e habilidade para continuar seus mandatos com sucesso.

  • O recente atentado contra Donald Trump nos Estados Unidos não é apenas um choque para a política americana, mas um alerta global sobre a fragilidade das instituições democráticas. Este incidente, que resultou em uma morte e ferimentos no próprio Trump, ecoa momentos sombrios da história política mundial e nos força a refletir sobre os desafios enfrentados pelas democracias modernas.

    Thiago de Aragão, analista político

    Em primeiro lugar, as falhas de segurança que permitiram este ataque são alarmantes. Como é possível que, em 2024, com toda a tecnologia e recursos disponíveis, um atirador consiga se posicionar para atacar um ex-presidente durante um comício público? Esta falha não é apenas um problema para os EUA, mas um lembrete para todas as nações sobre a importância de proteger líderes políticos e o processo democrático.

    Mais preocupante ainda é o que este atentado revela sobre o clima político atual, não apenas nos Estados Unidos, mas em muitas democracias ao redor do mundo. A polarização extrema, alimentada por anos de retórica inflamatória e desconfiança mútua, tem criado ambientes férteis para a violência política em diversos países. É um fenômeno global que exige atenção e ação coordenada.

    O ataque a Trump também levanta questões importantes sobre o controle de armas e segurança pública. Enquanto cada país tem suas próprias leis e culturas em relação às armas, incidentes como este destacam a necessidade de um debate sobre como equilibrar liberdades individuais e segurança coletiva.

    Para os apoiadores de Trump, este atentado provavelmente servirá como um ponto de união, reforçando narrativas de perseguição política. No entanto, é crucial que observadores internacionais resistam à tentação de interpretar este incidente através de lentes partidárias. A violência política é uma ameaça para todas as sociedades democráticas, independentemente de ideologias. Essa tentativa de assassinar Trump mostra, acima de tudo, que a polarização política, seja nos Estados Unidos, França ou Brasil, representa uma vitória da estupidez humana, onde indivíduos enxergam políticos como santos ou demônios, entes sagrados, membros de suas famílias, enquanto o rival é um inimigo.

    O chamado por unidade e calma após o atentado é louvável, mas palavras sozinhas não são suficientes. O mundo precisa de ações concretas para reduzir tensões políticas, melhorar a segurança de líderes e candidatos, e abordar as raízes da violência política nas sociedades modernas.

    À medida que os Estados Unidos se aproximam de suas eleições, este atentado serve como um alerta para todas as nações democráticas. A violência política não é um problema isolado de um único país, mas um desafio global que requer uma resposta coordenada.

    O ataque a Trump é um momento definidor não apenas para a América, mas para todas as democracias. É hora de líderes e cidadãos de todas as nações se unirem em defesa dos valores democráticos e contra a ameaça da violência política. As próprias narrativas eleitorais nos EUA em 2024 representam conteúdos pobres e superficiais, sejam de Trump, Biden ou qualquer um.

    Este incidente nos lembra que a democracia é um sistema frágil que requer constante vigilância e cuidado. Ele nos convida a refletir sobre como podemos fortalecer nossas instituições democráticas, promover o diálogo construtivo e combater a polarização extrema em nossas próprias sociedades.

  • Toda mídia comentava que a França faria um “zig” à direita no segundo turno das eleições legislativas. Eis que no domingo ela fez um “zag” à esquerda, para surpresa geral.

    Flávio Aguiar, analista político

    Isto quer dizer que a estratégia do presidente Macron, dissolvendo o parlamento nacional depois da derrota na eleição para o parlamento europeu, deu certo?

    Sim e não. Sim: sua coligação saiu de uma derrota humilhante no primeiro turno para um honroso segundo lugar no turno decisivo. Não: se ele não está às voltas com o projetado governo da extrema direita, ele está agora às voltas com um projetado governo da coligação de esquerda.

    Como nenhuma coligação obteve maioria absoluta, não se pode dizer que haja um vencedor insofismável na eleição, embora a coligação de esquerda tenha sido a mais votada. Mas fica claro que há um perdedor: o Reunião Nacional (Rassemblement National) de Marine Le Pen e Jordan Bardella, que, de vitorioso no primeiro turno, se viu reduzido a um humilhante terceiro lugar no segundo.

    Por outro lado, se não conseguiram a maioria absoluta, as esquerdas francesas desenvolveram uma tática claramente bem sucedida. Em primeiro lugar, por se unirem entre si, superando as tradicionais divergências. Em segundo lugar por desenvolverem, sempre que possível, uma frente comum com candidatos e eleitores da centro-direita de Macron, para barrar o caminho da extrema direita. Segundo comentários na mídia francesa, em 134 distritos eleitorais candidatos de esquerda abriram mão da sua candidatura em favor de um candidato da centro-direita melhor colocado, enquanto em outros 82 aconteceu o contrário, com o candidato macronista desistindo, em favor de um candidato de esquerda.

    O que está por vir?

    O que acontecerá a seguir? Ainda é cedo para se ter um quadro definido. O presidente Macron declarou que “respeitará o resultado da eleição”. A lógica desta declaração diz que ele deverá chamar a liderança do bloco de esquerda para formar o governo. Como isto vai repercutir em seu próprio partido, o Renaissance (Renascimento), que se mostrava dividido a este respeito?

    Do outro lado do espectro político, o que fará a direita tradicional, do partido Les Republicains (Os Republicanos), que deve permanecer com algo entre 60 e 65 deputados dos 577 no parlamento? Vão se unir ao Rassemblement para formar um bloco de oposição? Tentarão puxar uma ala de macronistas para seu lado?

    Muita água ainda vai correr por debaixo destas pontes antes de termos respostas concretas.

    Uma coisa é certa. O resultado da eleição francesa derrotou o preconceito contra estrangeiros, imigrantes ou refugiados. Logo antes do segundo turno, reportagens na mídia europeia davam conta da importância de temas constantemente veiculados nos meios de comunicação, ligando imigração e violência, para consolidar o apoio às propostas xenófobas do Reunião Nacional, sobretudo nas pequenas cidades do meio rural.

    Esta vitória do respeito às diferenças é muito significativa na Europa de hoje, aliada à promessa do governo trabalhista recentemente eleito no Reino Unido de suspender a deportação de imigrantes considerados irregulares para Ruanda, na África.

    A xenofobia, ou seja, o preconceito contra os estrangeiros, é uma ameaça que paira sobre a Europa inteira, dando força aos partidos de extrema direita.

  • Reportagem recente publicada pela agência de notícias Deutsche Welle (Matheus Gouvea de Andrade, “Exportação de agrotóxicos banidos na U. E. segue em alta”, 19/06/2024) denuncia que vários pesticidas proibidos na União Europeia continuam a ser produzidos em países-membros para serem exportados para o Sul Global. E o Brasil está entre os maiores consumidores desses produtos perigosos.

    Flávio Aguiar, analista político

    Em 2020 a Comissão Europeia, órgão executivo da União, comprometeu-se a promover o banimento dessa produção. Entretanto, especialistas e ONGs que atuam sobre o tema apontam que aparentemente este compromisso foi “esquecido”. E a produção e a exportação continuam volumosas e lucrativas.

    Estudo publicado em abril deste ano (“EU Pesticides Ban. What could be the consequences?” - “O banimento dos pesticidas da União Europeia. Quais seriam as consequências?”) revela que 36% dos pesticidas importados da União Europeia pelo Brasil são proibidos na Europa. No caso do México e do Peru este percentual chega a 50%.

    No nosso país a campeã deste tipo de importação e uso nocivos é a soja, produzida pelo agronegócio de norte a sul e de leste a oeste no país.

    Um dos produtos produzidos na U.E. e importados pelo Brasil é a atrazina que, além de usada na soja, é utilizada também na produção de milho. Uma concentração excessiva deste produto pode prejudicar as glândulas e órgãos do sistema endócrino, que produz hormônios para o organismo, afetando a capacidade reprodutiva, podendo causar alguns tipos de câncer. Além disto, a atrazina pode contaminar a água e afetar por meio desta a vida dos insetos, como as abelhas. Ela está proibida na União Europeia desde 2004, mas o Brasil continua a importação do produto em larga escala. Junto com os glifosatos ela é um dos produtos mais importados pelo país, a partir da União Europeia, chegando a 200 toneladas por ano.

    Segundo relatório da ONG Public Eye, somente em 2018 a União Europeia exportou quase 82 mil toneladas de 41 pesticidas proibidos em seu território. Os campeões desta exportação foram pela ordem, Itália, Alemanha, Holanda, França, Espanha e Bélgica.

    No caso da Alemanha, 8,2% de suas exportações de agrotóxicos eram de produtos proibidos na União Europeia. Em 2022, a Alemanha exportou 18.360 toneladas de pesticidas proibidos na União. Segundo João Camargo, do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e co-autor do estudo sobre exportações europeias de agrotóxicos proibidos no continente, isto demonstra um comportamento decepcionante por parte do Partido Verde, que integra o atual governo de Berlim.

    Brasil importa produtos proibidos em outros países

    A pesquisadora Márcia Montanari, da Universidade Federal do Mato Grosso, aponta que 30% dos pesticidas usados no Brasil estão proibidos em outros países. São 40 substâncias perigosas, 11 das quais provêm da União Europeia.

    Reportagem também da Deutsche Welle, publicada em 2022, afirma que a cada 2 dias morre um brasileiro por contaminação com agrotóxicos, sobretudo crianças e adolescentes de até 19 anos, segundo dados da ONG Friends of Earth Europe.

    A pesquisadora da Universidade de São Paulo Larissa Mies Bombardi, hoje vivendo na Europa, autora dentre outras obras do livro “Agrotóxicos e colonialismo químico”, publicado em 2023, corrobora o dado, lembrando que as maiores vítimas deste tipo de envenenamento são crianças, mulheres, indígenas e camponeses. Segundo ela, o Brasil padece também de subnotificações sobre o tema. Para cada caso notificado, lembra, pode haver até outros 50 não notificados por serem seus efeitos menos dramáticos ou não identificados corretamente.

    Por fim, cabe ressaltar que estas exportações europeias de produtos nocivos à saúde têm também um efeito bumerangue. Muitos produtos, como a soja, importados de outros países, trazem de volta para a Europa os efeitos nocivos das contaminações.

  • Donald Trump, em um movimento ousado, lançou uma coalizão destinada a atrair eleitores negros. A iniciativa "Americanos Negros por Trump" foi inaugurada com uma mesa redonda comunitária em Detroit, apresentando figuras proeminentes como o deputado da Flórida Byron Donalds e o ex-secretário de Habitação e Desenvolvimento Urbano Ben Carson. Ambos são cotados como possíveis companheiros de chapa de Trump, que não hesitou em sugerir suas perspectivas de vice-presidência durante o evento.

    Thiago de Aragão, analista político

    Apesar dessa aproximação, a sinceridade da campanha de Trump é questionável. Suas alegações de conquistas sem precedentes para os americanos negros durante sua presidência são, no mínimo, imprecisas. Embora Trump tenha alcançado taxas recordes de desemprego e pobreza entre os negros durante seu mandato, esses recordes foram superados sob a administração de Biden. Mas a sugestão de Trump de que essas conquistas são incomparáveis sob Biden é enganosa e omite convenientemente dados recentes que mostram um desempenho melhor sob seu sucessor.

    Além disso, o histórico de comentários inflamados de Trump sobre cidades predominantemente negras e suas críticas bem documentadas a essas áreas contradizem seus esforços atuais. Ele O ex-presidente rotulou Baltimore como um “lugar nojento, infestado de ratos e roedores” e, mais recentemente, descreveu Milwaukee como “horrível” em uma reunião privada, supostamente referindo-se a questões de crime e fraude eleitoral.

    A estratégia de Trump parece se basear na exploração de uma insatisfação percebida entre os eleitores negros com o Partido Democrata. Apesar do contínuo apoio majoritário de Biden entre os eleitores negros, há uma queda notável em suas avaliações de aprovação, particularmente entre os homens negros mais jovens. As pesquisas indicam que o apoio negro a Biden caiu de 94% no início de seu mandato para 55% em pesquisas recentes. Simultaneamente, o apoio a Trump entre os eleitores negros mostrou um ligeiro aumento, com algumas pesquisas sugerindo até 17% de apoio, um aumento significativo em relação aos 8% que ele obteve em 2020.

    No entanto, essa mudança não é necessariamente um endosso a Trump, mas sim um reflexo de uma insatisfação mais ampla com o Partido Democrata. Líderes negros proeminentes criticaram a administração Biden por não comunicar efetivamente suas conquistas políticas às comunidades negras, levando a uma lacuna de percepção que a campanha de Trump busca explorar.

    Em um paradoxo revelador, Trump enfatiza suas realizações econômicas, mas ignora o impacto negativo de suas próprias políticas sobre as comunidades negras. Durante seu mandato, cortes em programas sociais e a falta de apoio a políticas de reforma criminal afetaram negativamente muitos americanos negros. Além disso, sua retórica divisiva e a frequente demonização de cidades de maioria negra contrastam com sua atual tentativa de conquistar esses eleitores.

    Em última análise, a aproximação de Trump com os eleitores negros é uma mistura complexa de política estratégica e desinformação. Embora seus esforços possam influenciar um segmento do eleitorado, as implicações mais amplas de suas táticas e seu alinhamento com sua retórica passada permanecem controversas e sujeitas a escrutínio. À medida que a eleição se aproxima, o impacto dessas manobras no voto negro será um fator crucial nos estados decisivos.

  • Na primeira semana de junho de 2024 dois acontecimentos balizaram o que poderá ser o novo mapa político da União Europeia pelos próximos anos. O primeiro foi a comemoração dos 80 anos do desembarque dos aliados ocidentais na Normandia, em 6 de junho de 1944, durante a Segunda Guerra Mundial. O outro foi a eleição do novo Parlamento Europeu, de 6 a 9 de junho, nos 27 países membros da União.

    Flávio Aguiar, analista político

    As estrelas do primeiro evento foram o presidente norte-americano Joe Biden e o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, convidado especial para a ocasião. O chefe da Casa Branca discursou durante 12 minutos na praia batizada como Omaha, do alto do penhasco de Pointe du Hoc, imortalizado cinematograficamente no filme “O resgate do soldado Ryan”.

    Em seu discurso Biden elogiou os soldados que ali “defendiam a democracia”, dizendo que hoje se deveria honrar sua memória e valor.

    Foi como se, num jogo de vôlei, levantasse a bola para Zelensky bater. Em seu discurso, o presidente ucraniano comparou o presidente russo, Vladimir Putin, a Hitler, fazendo um paralelo entre a Alemanha nazista e a Rússia de hoje.

    Definiu-se assim um dos vetores principais do mapa político da União Europeia. Cabe à União seguir a diretriz norte-americana, corporizada na OTAN, que define a Rússia como seu alvo principal no momento, através do apoio financeiro e logístico ao governo de Kiev, contra Moscou.

    Nos últimos dias de maio, o primeiro-ministro alemão, Olaf Scholz, seguindo a diretriz de Washington, autorizou o governo de Kiev a atacar alvos em território russo com o armamento fornecido por Berlim, escalando a participação alemã na guerra.

    No dia 5 de junho, o ministro da Defesa alemão, Boris Pistorius, do SPD, dirigindo-se ao Bundestag, o Parlamento Federal, afirmou que, devido à ameaça russa, a Alemanha deve preparar-se para a guerra até 2029, defendendo também a volta do serviço militar obrigatório.

    Europa crescentemente militarizada

    Estes são sinais de uma Europa crescentemente militarizada. Alemanha, França, Polônia e outros países estão incrementando seus arsenais militares. Por ora estas armas estão apontadas para o definido inimigo comum, a Rússia. Qual serão os caminhos futuros desta militarização?

    Aqui entra em cena o segundo acontecimento deste começo de junho: a eleição do novo Parlamento Europeu. A se confirmarem as previsões, os blocos de extrema-direita deverão crescer substancialmente: o “Identidade e Democracia”, liderado pelo Rassemblement francês e a Lega italiana, e o “Conservadores e Reformistas”, onde pontifica o Fratelli d’Italia, da primeira-ministra Georgia Meloni. Com seu nacionalismo de estilo europeu, xenófobo e excludente, eles poderão dar as tintas nas pautas do parlamento eleito, mesmo que juntos não definam uma maioria. Serão um termômetro de tendências futuras em eleições nacionais.

    O conservador Bloco Popular Europeu, que reúne representantes dos partidos da direita tradicional, define a “autodefesa da Europa” como uma de suas prioridades. A Aliança Progressista de Socialistas e Democratas e o Bloco dos Verdes/Aliança Livre têm, entre suas prioridades, o isolamento de Putin e de sua Rússia. O Bloco chamado de Renew Europe (assim mesmo, em inglês) nada diz sobre questões militares. O Bloco de Esquerda, minoritário, é o único que ousa colocar, entre suas palavras de ordem, a de “Paz”.

    Pode-se assim prever, por este termômetro, que a militarização do continente terá amplos ventos favoráveis no futuro próximo e de médio prazo. E o currículo pregresso de uma Europa militarizada não é nada animador. Já aconteceu de um fanático isolado encontrar um arquiduque e sua esposa pela frente e, assassinado-os, deflagrar um conflito com 20 milhões de mortos e outros tantos de desaparecidos, feridos e mutilados.

  • O crescimento da extrema direita nas intenções de voto em vários países europeus, aliado à organização sistemática de encontros de seus líderes, dá a impressão de que seus partidos formam um bloco coeso. Na verdade não é bem assim. Eles têm, é claro, bandeiras comuns, que também se manifestam com nuances e variantes em outros continentes, como no caso de Donald Trump nos Estados Unidos, Javier Milei e Jair Bolsonaro na América Latina. e Benjamin Netanyahu e seu governo em Israel.

    Flávio Aguiar, analista político

    Entres essas bandeiras comuns estão: o nacionalismo xenófobo, que se volta contra imigrantes e refugiados, sobretudo os que vem de fora da Europa; a crescente islamofobia, substituindo na Europa, mas nem sempre, o antissemitismo; uma desconfiança acentuada em relação à União Europeia, pelo menos em seu estado atual; um discurso que se apoia num moralismo retrógrado e não raro em argumentos religiosos; oposição a movimentos identitários, como feminismo, valorização da diversidade cultural e outros; ações e discursos de ódio e violência contra aqueles que consideram ser seus adversários e inimigos; condenação da política e dos políticos tradicionais, sejam conservadores, liberais ou de esquerda.

    Ter bandeiras comuns não significa necessariamente ter um programa comum, nem mesmo uma identidade histórica compartilhada. “A Europa para os europeus”, eis um slogan que mobiliza as extremas direitas, da Ucrânia a leste até Portugal a oeste, do Círculo Polar ao norte até o Mediterrâneo ao sul.

    Mas as “Europas” do Chega português, do Vox espanhol, do Reunião Nacional (RN) francês, da Liga e do Irmãos da Itália em Milão ou Roma, do AfD (Alternativa para a Alemanha) na Alemanha, para citar alguns exemplos, não têm o mesmo significado, nem as mesmas raízes históricas

    Crise do bloco de extrema direita no Parlamento Europeu

    Um atestado desta diversidade, que pode ser conflituosa, está na recente crise que se abateu sobre o bloco de extrema direita no Parlamento Europeu, o “Identidade e Democracia”, às vésperas da eleição para aquela casa legislativa continental, prevista para acontecer de 06 a 09 de junho.

    A crise começou com uma entrevista dada por Maximilian Krah, um dos principais deputados do AfD alemão no Parlamento Europeu e candidato à reeleição, ao jornal italiano "La Repubblica". Nela o deputado declarou que um membro da antiga SS, a principal organização paramilitar nazista, “não era necessariamente um criminoso”.

    A declaração caiu como uma bomba no bloco. A líder francesa Marine Le Pen, do RN, retrucou imediatamente que se recusaria, dali por diante, a trabalhar em conjunto com membros do AfD. Com apoio da Liga italiana, todos os membros do AfD terminaram sendo literalmente expulsos do bloco parlamentar. Dentro do próprio partido alemão houve um terremoto: a direção decidiu que Krah não poderia mais participar de seus comícios e da campanha para o Parlamento, embora o tenha mantido como candidato.

    A crise mostra, de um lado, como a declaração do deputado alemão pode prejudicar o esforço de Le Pen para se aproximar do centro político e apagar a pecha de antissemitismo do partido fundado em 1972 por seu pai, Jean-Marie Le Pen, como Frente Nacional. Esse mesmo esforço de se aproximar do centro é compartilhado pela Liga italiana.

    Também evidencia o temor do próprio AfD de cair mais nas intenções de voto, que já foram de 23% e hoje estão em torno de 15%, ainda confortáveis, mas numa queda considerável.

    Pautas conservadoras

    O Chega português cultiva a memória do salazarismo; o Vox espanhol, a do franquismo. Muitos partidários do Vox se vêem como herdeiros dos Cavaleiros Templários da Idade Média, acentuando um conteúdo fortemente religioso. O mesmo não se pode dizer da Liga ou do Irmãos da Itália, embora este compartilhe bandeiras com movimentos conservadores católicos, como a do antiaborto ou a do anticasamento de pessoas do mesmo sexo.

    A religião em si também não faz parte do menu principal do francês RN, nem mesmo do AfD alemão. Em compensação, ela é muito mais forte na vizinha Polônia e em outros países do antigo Leste europeu. Em alguns destes países, incluindo a Ucrânia, observa-se uma maior tolerância em relação ao uso, por parte de militantes de extrema direita, de símbolos que lembram os do antigo nazismo.

    Há um traço novo, entretanto, na paisagem. Ao contrário do que aconteceu nas primeiras décadas do século passado, a extrema direita não vem encontrando apoio entusiástico em meios empresariais europeus, que preferem apostar, de um modo geral, nos políticos do conservadorismo tradicional, austeros nos orçamentos sociais, às vezes liberais nos costumes e sempre neoliberais na economia.

    Tais meios não vêem com agrado a desconfiança da extrema direita com relação a um dos dogmas da União Europeia, cuja liberdade no que toca à circulação de capitais representa, no fim de contas, um "very good business" (um negócio muito vantajoso). Por isto, em quase todos os países a força maior dos extremistas vêm de classes médias urbanas e rurais, ou mesmo de camadas pobres que se sentem ameaçadas, buscando “inimigos” facilmente identificáveis, como estrangeiros ou culturalmente diversos.

  • As promessas inflamáveis de deportação em massa do ex-presidente Donald Trump ecoam novamente à medida que a eleição presidencial de 2024 se aproxima. Embora sua retórica anti-imigração possa ressoar com certos eleitores, uma análise mais profunda revela as potenciais repercussões catastróficas para a economia americana.

    Thiago de Aragão, analista político da RFI em Washington

    As políticas de Trump ameaçam agravar a inflação, exacerbar a escassez de trabalhadores e mergulhar o país em uma espiral de dívida federal insustentável.

    A visão de Trump de uma América com 15 a 20 milhões de imigrantes a menos ignora a realidade demográfica e econômica do país. Os imigrantes desempenham um papel vital na manutenção de indústrias-chave e no preenchimento de lacunas críticas no mercado de trabalho.

    Deportações em massa desencadeariam uma onda de perturbações, deixando empresas lutando para preencher vagas e forçando-as a aumentar salários e preços. Essa escassez de mão-de-obra alimentaria novas pressões inflacionárias, minando a recuperação econômica e frustrando os americanos já sobrecarregados pelo alto custo de vida.

    Ironicamente, as mesmas preocupações com a inflação que impulsionam o apelo de Trump seriam exacerbadas por suas próprias políticas. Apesar de algum alívio recente, os efeitos persistentes da inflação elevada continuam a pressionar os orçamentos familiares, com os custos de habitação, alimentação e transporte permanecendo obstinadamente altos. No entanto, em vez de oferecer soluções substantivas, a agenda de imigração de Trump ameaça intensificar esses mesmos problemas de acessibilidade.

    Custos astronômicos

    As implicações fiscais das políticas de imigração de Trump são igualmente alarmantes. Deportar milhões de imigrantes custaria centenas de bilhões de dólares, potencialmente ultrapassando US$ 1 trilhão em uma década.

    Esses custos astronômicos viriam em cima dos planos de Trump de tornar permanentes os cortes de impostos de 2017 e reduzir ainda mais as taxas corporativas, medidas que poderiam adicionar trilhões à dívida nacional. Sem um plano claro para compensar esses déficits, os Estados Unidos arriscam uma crise fiscal que poderia desestabilizar a economia global.

    Economias regionais vibrantes como Califórnia e Texas, onde os imigrantes compõem uma parcela significativa da força de trabalho, seriam particularmente atingidas pelas políticas de Trump. Setores inteiros enfrentariam paralisações e cidades poderiam experimentar um colapso econômico, com consequências em cascata que são difíceis de quantificar completamente.

    Em uma era de desafios econômicos complexos, as políticas de imigração e fiscais de Trump oferecem respostas simplistas que ameaçam aprofundar os problemas que ele afirma resolver.

    Ao ignorar o papel crucial dos imigrantes na economia americana e promover planos fiscais insustentáveis, Trump arrisca mergulhar o país em uma espiral de inflação crescente, escassez de mão-de-obra e dívida federal insustentável.

    Naturalmente, a imigração ilegal é um problema sério e deve ser contido pelo governo dos EUA. No entanto, as propostas e ideias de Trump são simplistas, populistas e eleitoreiras.