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  • Pouco a pouco, a sala situada no liceu parisiense Lazare Ponticelli, no 13° distrito da capital, vai ficando lotada. Nas mesas, aspiradores, computadores e ferros de passar quebrados acompanhados de seus donos aguardam uma “consulta” com um dos voluntários da associação Repair Café.

    Os voluntários são, na maior parte, engenheiros, que ajudam as pessoas a consertarem, ou melhor, darem uma “nova vida” a seus objetos. O conceito nasceu na Holanda e chegou em Paris em 2013. Hoje existem projetos similares na Bélgica e nos EUA.
    Nessa tarde ensolarada de quarta-feira, cerca de 20 especialistas em eletrônica está à disposição do público. “ A fundadora do Repair Café na Holanda queria que as pessoas se reapropriassem de um know-how que existia há 50 anos e desapareceu. O público tem vontade de voltar a ter essa autonomia”, explica Stéphane Gauchon, representante da associação em Paris.
    Um dos objetivos da associação é também a luta contra a chamada obsolescência programada. O conceito refere-se a produtos lançados no mercado com um prazo de vida propositadamente curto. Dessa forma, vão quebrar mais rápido e estimular o consumidor a comprar novamente, o que gera mais lucros para as empresas mas também mais lixo eletrônico no meio-ambiente.
    "O Repair Café foi criado por cidadãos que identificaram um problema, o de jogar muita coisa fora e o dos objetos que quebram rapidamente. Não há iniciativas na esfera política ou uma legislação a respeito”, diz Stéphane Gouchon. Segundo ele, essa é uma tendência europeia: os cidadãos percebem que, agindo coletivamente, podem lutar contra comportamentos nocivos para o meio-ambiente e para a própria população.
    Aposentada de 69 anos vira voluntária
    Alguns aprendem tanto nos ateliês que passam a trabalhar como voluntários. Um dos exemplos é a aposentada Monique Metayer, 69 anos, que depois de três anos frequentando a associação agora ajuda a consertar os eletrodomésticos em pane. “Todo mundo pode aprender, é preciso só um pouco de boa vontade e ser meio faz-tudo. É convivial, eu já tenho uma certa idade, mas mesmo assim fui muito bem aceita”, conta a aposentada francesa, que explica sempre ter tido uma vocação para “consertar as coisas dentro de casa”.
    Quando a reportagem da RFI Brasil chegou ao ateliê, o engenheiro Bertrand Casnabet, que integrou a associação há uma semana, consertava o leitor de memória do PC da jovem Odete. “É bom aprender, mas eu seria incapaz”, brincou . Bertrand discorda. “Você já tem uma qualidade essencial, suas mãos não tremem”, responde, tentando convencer Odete a consertar seu próprio computador.
    Compartilhar, aprender e também diminuir o consumo. Esses são alguns dos vários objetivos da associação que inspiraram Chantal, que depois de frequentar os ateliês também se tornou voluntária. “É uma pena jogar as coisas fora se elas podem ser consertadas”, observa. “Prefiro tentar arrumar. Já que está quebrado mesmo, não perco nada tentando. O objetivo é consumir de maneira mais inteligente. Se todo mundo fizer isso, podemos obter mudanças”.
    Nesses 4 anos de existência, o Repair Café também coleciona histórias emocionantes. Uma delas, lembra o representante da associação, Stéphane Gouchon, é a de uma mulher que trouxe um urso de pelúcia falante quebrado, que pertenceu a sua filha, hoje nos Estados Unidos, na infância. O brinquedo foi consertado em um dos ateliês e entregue em seu aniversário. "Temos muitas histórias belas como essa".

  • Oito associações francesas enviaram uma carta aberta ao governo francês em julho pedindo a adoção de medidas urgentes em relação à utilização dos nanomateriais na indústria.

    Presentes em aditivos e colorantes, os chamados nanomateriais contêm substâncias potencialmente cancerígenas, como o dióxido de titânio. Presente no colorante E171, ele é usado pela indústria para produzir balas e chicletes, pratos industrializados, cosméticos e até medicamentos.
    Um estudo divulgado recentemente pelo Instituto de Pesquisa Agronômico Europeu (Inra) mostrou que o consumo da substância por ratos pode provocar lesões pré-cancerígenas, o que levou a Agência Sanitária Francesa a recomendar novas pesquisas sobre os efeitos do colorante na saúde, principalmente em forma de pó.
    Mas o que são os nanomateriais? “Os nanomateriais são substâncias infinitamente pequenas, na escala do átomo, do DNA. São móveis e de comportamento imprevisível”, explica Magali Ringoot, da associação “Agir para o Meio Ambiente”, uma das signatárias da carta enviada ao governo.
    Segundo Ringoot, as substâncias são utilizadas em larga sem que tenha havido uma avaliação prévia do efeito que elas podem provocar na saúde. “Não somos ratos de laboratório, os consumidores não são cobaias. É preciso avaliar corretamente e analisar a relação custo-benefício e a utilidade dessas substâncias antes de serem lançadas no mercado. Sem contar que elas são encontradas em balas e chicletes, expondo as crianças”, explica.
    As propriedades das nanopartículas que interessam à indústria são as mesmas que as permitem atravessar as barreiras hemato-encefálicas, cutâneas, intestinais ou olfativas, em níveis que a ciência ainda não domina totalmente. É aí que mora o risco. “É menor do que uma célula, o que faz com que as nanopartículas possam entrar dentro das células e seus compartimentos”, explicou o cientista Nicolas Tsapis, do Instituto Gallien Sud, em entrevista à RFI.
    Rastreamento
    As associações defendem uma nova legislação que responda à necessidade dos consumidores. “Temos um grande atraso na regulamentação e faz anos que pedimos que ela se adapte ao mercado”, diz Ringoot. Aditivos e colorantes beneficiam do segredo comercial que protege a atividade da indústria química e isso dá pouca margem de ação, afirma.
    Isso explica, segundo a representante da ONG francesa, a importância do rastreamento, da adoção do princípio de precaução e da informação. Muitas vezes as etiquetas dos produtos não mencionam a existência dos nanomateriais.
    Há sinais de evolução. Desde 2013, o governo francês impõe uma declaração obrigatória dessas substâncias, sejam elas importadas, fabricadas ou vendidas na França. No último dia 13 de julho, o presidente francês Emmanuel Macron também anunciou o lançamento de um programa conjunto com a Alemanha sobre as nanotecnologias. “Esperamos que haja discussões em torno da avaliação e será aplicado. Por enquanto, não temos nenhuma garantia”, conclui Ringoot.

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  • Quem são os robôs que vão substituir ou acompanhar os humanos num futuro talvez próximo? Por trás das questões econômicas que envolvem a automatização do trabalho está a indústria robótica e os avanços tecnológicos que tentam aperfeiçoar as funções cognitivas das máquinas, como a empatia, essencial para a socialização humana.

    Segundo o Instituto de Pesquisas IDC, especializado em pesquisas tecnológicas, até 2021, no mundo todo as empresas vão gastar mais de US$ 230,7 bilhões em projetos ligados à robótica. Um dos exemplos mais impressionantes deste novo mercado é o do humanoide Nadine, desenvolvido pela Universidade de Tecnologia de Cingapura em 2015.
    O robô, feito à imagem e semelhança de sua criadora, a professora Nadia Thalman, é capaz de exprimir suas emoções, tem uma excelente memória, reconhece seus interlocutores e se lembra das conversas que teve com ele. Nadine é um dos primeiros humanoides inventados para interagir com seres humanos. Ela foi criada para ser, no futuro, cuidadora de pessoas idosas, por exemplo.
    A tecnologia utilizada foi a mesma do Siri, da Apple, do reconhecimento de voz. A humanização dos robôs é uma fantasia humana que já foi cantada em prosa e verso em filmes, como Inteligência Artificial, de Steven Spielberg, onde um casal adquire um robô projetado para amá-los incondicionalmente e substituir o filho deles, com uma doença terminal.
    O desenvolvimento de robôs com sentimentos ainda está no começo, mas alguns deles, nem tão humanos assim, já atuam em diversos setores, como a Medicina. No hospital Rangueil, em Toulouse, o cirurgião Nicolas Doumerc é um dos pioneiros no país na utilização de robôs em operações. Em março de 2016, a equipe fez um transplante do rim utilizando o aparelho. Doumerc controla a máquina do seu computador. Essa cirurgia, longe do paciente, foi um marco na história da cirurgia robótica.
    “Esta é a primeira vez que um cirurgião é separado completamente de seu paciente. Isso é totalmente novo na história da cirurgia. O cirurgião não usa luvas e não encosta em seu paciente”.
    A verdade é que cada vez os robôs farão parte de nosso cotidiano. Não só em linhas de produção de fábricas, mas também no setor terciário. Já existem robôs recrutadores, barmans, recepcionistas, conselheiros de finanças e vendedores.
    Robôs humanizados, uma perspectiva para 2030
    Um estudo divulgado recentemente pela empresa Dell mostra que, em 2030, 85% dos empregos atuais não existirão mais, justamente com o aparecimento do ser humano virtual.
    O pesquisador Nicolas Le Ru integra o organismo France Strategies e relativiza a questão. Ligado ao gabinete do primeiro-ministro, o laboratório de ideias é encarregado da construção das políticas públicas do futuro. Le Ru é um especialista dos efeitos sociais da automatização do trabalho. Segundo ele, não existe um efeito de causa e efeito imediato entre desenvolvimento tecnológico e o fenômeno.
    “Uma empresa vai automatizar um emprego se isso for economicamente rentável, se houver aceitação social e se a organização do trabalho permite isso. Um exemplo é a automatização das caixas de supermercado. Percebemos que nem todos os fatores estavam reunidos para que isso se tornasse uma prática generalizada”.

  • Como saber o que os eleitores esperam dos candidatos a uma eleição? O desenvolvimento de novas ferramentas digitais de previsão, o advento das redes sociais e o tratamento de dados que circulam on-line revolucionaram as campanhas eleitorais e ajudaram a moldar o discurso político.

    A revolução provocada pelos algoritmos preditivos ainda é difícil de avaliar, mas pode ser constatada na realidade. Um bom e recente exemplo é a eleição presidencial francesa. O presidente Emmanuel Macron, 39 anos, do movimento Em Marcha, nunca havia ocupado um cargo eletivo, era um novato dos comícios e da batalha pelos votos, mas sua equipe soube, como ninguém, tirar partidos das novas tecnologias. Por trás dessa máquina política está a start-up francesa Liegey Muller Pons, especializada em estratégia de comunicação eleitoral.
    A empresa criou um programa, Cinquante Plus Un (Cinquenta mais um, em tradução livre) que permite, através de um cálculo sofisticado, identificar dois tipos de eleitores: os abstencionistas “tradicionais”, que votam apenas nas eleições presidenciais, e os indecisos, que mudam de partido político em função do pleito. Eles representam uma pequena parte do eleitorado, mas são preciosos no resultado final da disputa.
    No caso de Macron, a estratégia eleitoral foi construída em várias etapas. A primeira, há cerca de um ano, consistiu, no início do movimento Em Marcha, em construir um diagnóstico compartilhado da situação na França. Como em uma pesquisa de mercado, mas não-remunerada, centenas de voluntários militantes, recrutados nas redes sociais, bateram nas portas das casas de milhares de eleitores franceses, em diferentes regiões do país.
    O objetivo era obter respostas para questões listadas em um aplicativo criado pela agência. “Para fazer as perguntas, eles utilizaram seus próprios telefones celulares e nosso aplicativo. Questionaram sobre o a França, o que vai bem, o que não vai, o que poderia ser feito…etc. Foi baseando-se nas respostas que o movimento pôde construir um projeto e suas propostas”, diz Fabrice Rivière, gerente de produto da agência. “Estamos contentes e orgulhosos em 2017, porque essa é a primeira campanha na França com essa quantidade de análises em Big Data desenvolvidas em escala eleitoral”.
    A ideia, diz, não era convencer o eleitorado, mas definir, com precisão estatística, quais eram as principais preocupações dos franceses. Em seguida, esse conjunto de informações obtidas na rua foi analisado pelo programa da agência. Os resultados orientaram a campanha do novo presidente, incluindo locais de comícios ou participações públicas, definidos em função de onde a proporção de eleitores que poderia mudar de opinião seria maior. Com a vitória de Macron, é possível dizer que os algoritmos acertaram na mosca.
    Big Data
    Para atender a demanda de seus clientes, a empresa constituiu uma base de dados que reúne os resultados eleitorais de mais de 65 mil bairros na França, desde 2007, e mais de uma centena de variáveis sociodemográficas obtidas em seus recenseamentos, que incluem,entre outros dados, a taxa de desemprego, o salário médio, o tempo de trajeto entre o trabalho e o domicílio, por exemplo.
    Além do porta a porta, as informações dessa base também provém do “Open Data”, dados públicos sobre os resultados obtidos em cada local de votação, que podem ser baixados no site do Ministério do Interior francês. Os dados sociológicos são do Insee, Instituto de Demografia e Estatística. “Todo mundo tem acesso a esses dados. Nós as exploramos, formatamos e as analisamos”, diz Rivière.
    Nos dois casos, os algoritmos de estatística, desenvolvidos pela equipe de Data Scientists da empresa, tentam decodificar as “variáveis explicativas do voto” e estimar, nas regiões, o número de eleitores que podem mudar de opinião durante a campanha. “Com esse programa, também somos capazes de reconstituir uma trajetória de voto individual, em uma escala local. Em uma circunscrição, por exemplo, isso representa 100 mil habitantes. Assim somos capazes de saber se, de 100 eleitores, sendo que 2 que votaram em Sarkozy ou Hollande, quantos votaram no primeiro turno em Macron, Jean Luc Mélénchon ou François Fillon, por exemplo”.
    Bush é o precursor
    A utilização de ferramentas digitais para análise do Big Data em eleições nasceu nos Estados Unidos. Explodiu na campanha de Barack Obama, em 2008. À frente de sua campanha digital esteve um guru do marketing político, Teddy Goff. Ele aperfeiçoou o método, mas não foi o primeiro. O precursor foi o presidente George W. Bush, em 2004, que utilizou informações obtidos juntos a frequentadores de igrejas em estados mais tradicionais nos Estados Unidos.
     

  • O físico eletrônico francês Vincent Garcia e sua equipe criaram um dispositivo inteligente do tamanho de um chip que consome menos tempo e energia e vai ajudar as máquinas a agilizar o reconhecimento de imagens e dados.

    Enquanto a inteligência artificial se desenvolve rapidamente e o deep learning invade os laboratórios de engenharia da computação, ávidos pela descoberta de novos algoritmos e softwares mais potentes, pouco se fala sobre as máquinas que “rodam” esses programas mais sofisticados. É aí que entra o trabalho da equipe francesa  liderada pelo físico francês Vincent Garcia, do Instituto francês CNRS, em parceria com a empresa Thales e as Universidades de Bordeaux, Paris-Sud e Evry, na região parisiense.
    Desde 2009, esse time trabalha em um dispositivo eletrônico inteligente e energeticamente mais econômico. O resultado é um modelo físico dotado de uma capacidade de aprendizado inédita. A descoberta abre várias possibilidades: uma delas é a criação de uma rede de sinapses artificiais mais complexas e interligadas, capazes, entre outras coisas, de processar informações mais rapidamente. O estudo, que demorou três anos para ficar pronto, acaba de ser publicado na revista especializada Nature Communications no início de abril.
    “Globalmente, o que queremos reproduzir é uma arquitetura que se pareça com a do cérebro, composta de neurônios e sinapses. Para ter o equivalente de uma sinapse em eletrônica, utilizamos um componente que se chama memristor, uma resistência variável que corresponde à memória dos impulsos elétricos recebidos”, explica. “Trabalhamos há nove anos em um sistema que é baseado em uma camada muito fina e ativa de bipolos elétricos. Quando invertemos os bipolos usando eletricidade, isso muda a resistência do sistema”.
    Bipolos são terminais elétricos com dois pólos que ligados formam um circuito, como uma pilha, gerando energia. Neste estudo, explica o pesquisador francês, foi demonstrado que a variação da resistência desse sistema pode estar ligada à dinâmica dos bipolos elétricos. Isso permite “antecipar” a resposta do memristor, independentemente do estímulo elétrico. “No fim, demonstramos que, aplicando os impulsos elétricos que se parecem com as sinapses neuronais, podemos entender e antecipar o comportamento de nosso memristor, ou sinapse artificiais”, explica Vincent.
    Paralelamente, a descoberta feita pela equipe de pesquisadores franceses também será utilizada no projeto europeu Chronocam, que busca desenvolver uma câmera que enxergue como os humanos. “O objetivo é criar um protótipo que conecte uma câmera a uma rede de neurônios artificiais", diz Garcia.
    Aprendizado
    Como um sistema aprende alguma coisa? Quando ele envia um impulso elétrico específico, ou sinapse, ativando um neurônio, ou observando um número por exemplo e selecionando uma informação. Desta forma, os neurônios artificiais podem ser usados para reconhecer uma imagem ou voz. “O objetivo a longo prazo é introduzir nos processadores dos computadores e smartphones essa rede de neurônios artificiais que vai trabalhar mais rapidamente no reconhecimento de dados e imagens”.
    A ideia já é colocada em prática atualmente por empresas como Facebook ou Google. Um exemplo é a associação de imagens publicadas pelos seus amigos com seu perfil. Essas empresas usam algoritmos baseados em neurônios artificiais. Mas a dificuldade da equipe de Vincent é incluir essa rede elétrica diretamente na máquina, ou hardware, sem gastar a energia que é necessária atualmente.
    Cérebro artificial
    O pesquisador explica que o termo “cérebro artificial” é usado para comparar, de maneira simplista, o trabalho que vem sendo feito nos laboratórios de pesquisa, que busca simular a arquitetura cerebral. “É uma rede densa, onde em cada nó temos uma sinapse, e, no nosso caso, em cada linha, um neurônio que envia um impulso elétrico, muito diferente do sistema binário que utilizamos”, conclui.
     

  • A realidade virtual se transformou em uma ferramenta valiosa no tratamento de fobias, vícios e outros problemas psiquiátricos. Uma equipe de médicos franceses está utilizando a tecnologia para tratar e curar pacientes com depressão, medo de altura, claustrofobia, stress pós-traumático, e até mesmo fumantes inveterados.

    Quem nunca sonhou em parar de fumar jogando videogame? Essa é, de certa forma, a proposta de um hospital francês que promete curar fobias e vícios usando a realidade virtual. Um dos centros pioneiros nesse tipo de tratamento é o hospital da Concepção, em Marselha, que desde 2012 pesquisa o uso da técnica para tratar doenças mentais. Os resultados são otimistas, explica o psiquiatra francês Eric Malbos, que utiliza o método desde 2003. A ideia, diz ele, é diminuir ou até mesmo interromper o uso de medicamentos antidepressivos, muitas vezes responsáveis por diversos efeitos colaterais.
    O remédio só é proposto antes do início da terapia em casos muito graves, ou mantido no começo e abolido no fim do tratamento. Segundo Malbos, são dez sessões semanais, que funcionam, garante, em 80% dos casos. “Os pacientes se tornam mais felizes, menos ansiosos, e, principalmente reencontram uma liberdade perdida. Pegar um avião sem medo, voltar a dirigir ou achar um emprego. É por isso que nos procuram”, diz.
    Apaixonado por videogames, Malbos integrou seu hobby à sua vida profissional. Para ele, o mundo da Medicina era muito “conformista”, o que o levou a escolher a realidade virtual aplicada à prática médica como projeto de tese no fim do curso. Os programas utilizados na plataforma construída no hospital de Marselha são concebidos pelo próprio psiquiatra, cada um para uma fobia diferente.
    “Eu os criei graças a motores gráficos utilizados na concepção de videogames. Usei isso para criar meus ambientes virtuais”. Os programas são usados no hospital, mas há outros similares também comercializados por empresas especializadas, que os vendem para consultórios em outras regiões da França e da Europa. Hoje, outros países já se interessam pela terapia, como o Canadá, Itália e a Bélgica.
    Realidade virtual trata fumantes

    Como funciona o tratamento? Depois de uma avaliação prévia, o paciente passa por uma terapia cognitiva tradicional. "O objetivo é aprender a gerenciar suas emoções", explica Malbos. O aprendizado passa pela capacidade de relaxar, melhorar a auto-estima e dizer não." A realidade virtual é aplicada nessa fase. No hospital de Marselha, um espaço foi construído especialmente para isso. O paciente entra em uma sala equipada de cerca de 27 metros quadrados de telas e óculos Rift, onde será confrontado virtualmente a suas próprias angústias.
    No caso dos fumantes, por exemplo, ele vivenciará situações de risco: virtualmente, será colocado em um restaurante, um bar de praia, ou em uma pausa com colegas de trabalho, por exemplo. Nessas situações, os "avatores", ou personagens virtuais, vão propor um cigarro. Caberá ao paciente tentar resistir, de forma consciente à tentação. “Nós os colocamos em uma situação de risco para que ele possa praticar todas as técnicas que foram ensinadas antes. Nunca colocamos um paciente para interagir diretamente com a realidade virtual”, explica o psiquiatra. O mesmo princípio é aplicado no tratamento do medo de avião. Depois da terapia virtual, o paciente é colocado em um avião virtual. O hospital de Marselha também trata, em parceria com o Ministério da Defesa, soldados franceses que estiveram no Afeganistão e vivenciaram situações traumatizantes.
    Medo de galinha
    O psiquiatra conta ter tratado até mesmo um doente que tinha medo de galinha, uma de suas experiências virtuais mais difíceis de serem colocadas em prática, diz. A cor das penas e o tamanho das aves, muito pequenas, desagradaram a paciente, obrigando o médico a criar galinhas maiores do que existem na realidade. “Este é provavelmente o caso mais difícil que eu tive”.
     

  • Como utilizar as novas tecnologias contra as desigualdades sociais? Os projetos em torno da economia solidária ganham cada vez mais espaço na França e envolvem associações, incubadoras e startups.

    Um dos exemplos é o grupo francês SOS, uma entidade sem fins lucrativos que apoia iniciativas tecnológicas na luta contra a exclusão, em mais de 35 países. A empresa reúne associações e plataformas digitais colaborativas, que possuem um modelo econômico próprio de financiamento, baseado em doações ou no crowdfunding, por exemplo.
    Uma delas, a Reconnect, propõe, desde setembro, um serviço inédito: arquivar ou atualizar os documentos dos sem-teto que vivem nas ruas de Paris, além de ajudá-los na burocracia do dia-a-dia. Mais de 100 associações são parceiras da ferramenta, definida como um "cloud solidário".
    “Esse dispositivo foi construído em parceria com os trabalhadores sociais e responde inteiramente a essa necessidade, o que explica porque muitas estruturas estão desenvolvendo a ferramenta na França e agora também no exterior. Também desenvolvemos o dispositivo no Canadá, por exemplo”, explica o vice-presidente do grupo SOS, Nicolas Froissard.
    Vivendo em extrema precariedade, muitas vezes os sem-teto perdem sua carteira de identidade ou são furtados,  o que complica o trabalho das associações junto aos órgãos administrativos.No caso dos estrangeiros, a situação ainda é mais complicada. Mesmo estando legalmente no território, muitas vezes eles são abordados pela polícia e não têm como provar aos agentes que estão autorizados a viver no país.
    Para evitar esse tipo de problema, os membros da associação Reconnect escaneam os documentos e os transferem para um espaço virtual pessoal, depois da criação de uma conta no site. Mais de 600 já foram abertas. Estocados no cloud, os documentos podem ser consultados pelos membros da associação a qualquer momento, facilitando o acesso às ajudas sociais disponibilizadas pelo governo francês. Muitos sem-teto desconhecem, por exemplo, que têm direito a uma renda mensal ou a um atendimento médico gratuito, que é garantido para todos na França
    O grupo também não descarta desenvolver a ferramenta no Brasil. “Essa não é uma problemática franco-francesa e envolve muitas regiões do mundo. Infelizmente a pobreza está presente em todos os por todos os lados.”
    Projetos solidários
    Outra plataforma divulgada pelo grupo SOS é a Hackativ, uma rede social diferente, que conecta as associações e os cidadãos que moram em uma mesma região e querem exercer diferentes atividades voluntárias. A plataforma digital, que teve início em Paris, também trabalha com instituições públicas e privadas interessadas em desenvolver ações de voluntários.
    Os excluídos não são o único público alvo do grupo. Outros exemplos são as plataformas Share Voisin, onde as pessoas podem emprestar objetos ou vender serviços, evitando a compra de materiais que serão inutilizados rapidamente.
    O vice-presidente do grupo SOS também cita Up, uma rede social que reúne pessoas sensíveis ao tema da inovação e implantação de ideias em seu território. Um formato que reúne formadores de opinião e que Nicolas Froissard espera, também, desenvolver no Brasil. “Ficaríamos felizes que essa iniciativa se desenvolvesse na América Latina”.
     

  • Cientistas conseguiram realizar o teletransporte de fótons a uma distância de vários quilômetros, fora de um laboratório. Experimento inédito aproxima a humanidade da criação de uma "Internet Quântica", onde as informações serão impossíveis de serem decodificadas.

    Enquanto você está acessando conteúdo na Internet, uma infinidade de algoritmos está coletando seus dados para diferentes finalidades. Não somente publicitárias. O internauta pode ter seu cartão roubado, por exemplo, ou simplesmente ter identidade pirateada. No caso de instituições ou organismos públicos, a atuação secreta do exército do "deep web", ou internet invisível, pode até mesmo influenciar resultados das eleições, como foi o caso de Donald Trump, nos Estados Unidos. A Rússia foi acusada de ter orquestrado ataques piratas que resultaram na publicação de emails de responsáveis do partido Democrata, incluindo, Hillary Clinton, o que poderia ter influenciado o voto do eleitorado.
    A verdade é que o mundo virtual encanta pela sua praticidade, mas deixa a desejar no quesito privacidade. Os mais conectados dirão que há bons programas que protegem celulares, tablets e computadores, mas nada que um bom hacker não seja capaz de "quebrar".
    Não por muito tempo: os cientistas estão dando os primeiros passos no desenvolvimento de uma rede mais segura, conhecida como Internet quântica. Nesse modelo, os dados seriam armazenados em partículas de luz conhecidas como fotóns, em vez dos atuais feixes de luz da fibra ótica, tornando impossível qualquer invasão. O fóton é a partícula elementar mediadora da força eletromagnética, utilizada nos ímãs, por exemplo.
    Teletransporte quântico

    Em outubro deste ano, os cientistas do Jet Propulsion Laboratory, da Nasa, realizaram uma experiência que, dada sua complexidade, foi pouco divulgada, mas representa um grande passo na construção da Internet hiper segura. Eles conseguiram realizar o teletransporte quântico de um fóton em uma distância de mais de 6 quilômetros.
    O experimento foi realizado em um cabo de fibra ótica inutilizado da cidade de Calgary, no Canadá, com o apoio dos pesquisadores da Universidade local. Esta é a primeira vez que um fóton percorre uma distância tão longa e fora de um laboratório de pesquisas.
    Diversos ajustes foram necessários para recriar a experiência do teletransporte dos fótons na vida real, segundo a Nasa. “Isso é muito importante porque é uma das primeiras experiências do mundo real do teletransporte, um modelo para o futuro da rede quântica, para distribuir informação quântica”, descreveu o cientista da Nasa Francis Marsili, em entrevista à RFI Brasil.
    Ele foi um dos responsáveis pela construção da plataforma de supercondutores utilizados na experiência. “Nós os chamamos de nanowires. Basicamente, eles são de metal, muito finos e estreitos. A propriedade da supercondutividade é a seguinte: se a temperatura cai a níveis críticos, a resistência do metal chega a zero. Pense em uma lâmpada incandescente. Ela emite luz porque os filamentos, feitos de tungstênio, têm resistência e a corrente elétrica que a atravessa. A temperatura do filamento aumenta, até a lâmpada acender”, explica.
    Na experiência realizada pela Nasa, a máquina construída utiliza esse princípio. O tungstênio se torna supercondutor a temperaturas extremamente frias. Dessa forma, o metal não terá mais resistência e os filamentos circularão livremente, atingindo os fótons, que vão "ligar” o sistema, através do chamado "entrelaçalento quântico". As partículas se misturam e se tornam inseparáveis.
    Internet Segura
    Depois do fenômeno, os objetos se tornam fisicamente interdependentes entre si e não podem ser separados - o que garante a segurança dos dados que circulariam na Internet Quântica. Os elementos não poderiam ser decodificados, como acontece hoje.
    Por enquanto, os experimentos estão no início, mas para aumentar a distância da troca de informações ultra-segura, a Nasa também trabalha no desenvolvimento de “repetidores quânticos”. “Essa é uma das primeiras demonstrações do teletransporte quântico em fibras óticas usadas pela Internet”, explica Marsili. Ficção científica que pode se tornar realidade nas próximas gerações.
     

  • Pela primeira vez na história, o Brasil deverá enviar uma missão para a lua, desenvolvida por um consórcio de institutos de pesquisa brasileiros e empresas estrangeiras. A espaçonave deverá estar pronta até 2019 – quando a chegada do homem à Lua completará 50 anos.

    O projeto Garatéa-L foi apresentado no final de novembro na Escola de Engenharia de São Carlos, da USP (Universidade de São Paulo). O objetivo é enviar uma sonda que vai sobrevoar a órbita lunar para coletar dados e entender como organismos reagem dentro e fora do campo eletromagnético que protege a Terra da radiação solar, explica o engenheiro espacial Lucas Fonseca, da consultoria Airvantis. O engenheiro trabalhou na Agência Espacial Europeia, participou da missão com a sonda Rosetta, a primeira a pousar em um cometa, e está dirigindo a missão.
    Cinco “cubesats” serão enviados à órbita lunar, incluindo um nanossatélite brasileiro. A nave mãe será construída por uma empresa inglesa SSTL, que pertence à francesa Airbus, e na, lua, “distribuirá” os equipamentos na órbita desejada. A expectativa é que a espaçonave fique pronta em 2019, cerca de um ano antes do lançamento previsto, que ocorrerá na Índia, no Cosmódromo Satish Dhawan Space Centre (SDSC), em Sriharikota na região Andhra Pradesh.
    “Toda missão especial é guiada por um objetivo científico. Através de dois estudos instintos, estamos tentando fazer uma previsão de como ocorreu essa proliferação da vida no passado e como poderia ocorrer no futuro”, conta Lucas Fonseca. “Um desses experimentos chama-se Astrobiologia; em que trabalhamos com colônias de bactérias. É interessante fazê-lo na Lua, porque ela tem um balé orbital" muito interessante. Em torno dela existe um campo eletromagnético que protege da radiação solar e cósmica. Esse campo, por conta da ação do sol, gera uma cauda que vai além de Marte”, descreve o engenheiro espacial.
    Segundo ele, a Lua, que gira em torno da Terra, não está sempre protegida da radiação. “Queremos entender, colocando uma colônia de bactérias no local, o que acontece quando elas estão protegidas e desprotegidas pelo campo eletromagnético. Será que os danos causados quando estão desprotegidas podem ser revertidos e elas voltam a se proliferar em boas condições?”, questiona.“Queremos saber, se nos primórdios da Terra, como essas bactérias se proliferaram no espaço. Será que o início foi de fato na Terra?”

    Tecido humano
    Outro experimento inédito consiste em colocar tecido humano na sonda, provavelmente pele, para entender o efeito da radiação a longo prazo. “A exposição mais longa que tivemos em um lugar não protegido foi na própria Lua, na missão Apolo. Só que os astronautas da missão Apolo não passavam mais de 15 dias no espaço, por isso não temos um entendimento muito claro do que acontece com um ser vivo que não está protegido pelo campo eletromagnético da Terra. Queremos entender como o DNA é danificado”, diz. A análise dos elementos recolhidos deve começar cerca de um mês após o pouso.
    Financiamento
    O projeto é subsidiado pelo governo brasileiro mas precisa de investimento da iniciativa privada para ser concluído. Ele está orçado em cerca de R$ 30 milhões. “A parte mais custosa é a carona até a Lua. Achamos maneiras de reduzir o custo. A missão mais barata até hoje foi uma indiana, que custou U$ 55 milhões”, diz. Galatéa-L é custa cinco vezes mesmo e está orçada em apenas US$ 11 milhões. “O preço é bem reduzido mesmo.”

     

  • Imagine descobrir os povos primitivos do qual você é originário e a região de onde vieram seus mais longínquos ancestrais. Quem sabe até encontrar familiares espalhados pelo mundo.
    A tendência vem sendo observada recentemente na Europa e nos Estados Unidos, onde laboratórios oferecem online diferentes tipos de testes de ancestralidade por algumas centenas de euros ou dólares. O princípio é simples, a demanda pode ser feita pela internet e a análise do DNA é realizada através de uma amostra de saliva, enviada pelo correio.
    Os resultados podem ser surpreendentes ou apenas confirmar suas origens. O mais importante, diz a geneticista e antropóloga Joëlle Apter, do laboratório suíço iGENEA, é que os testes de ancestralidade respondem uma das perguntas que mais intriga as pessoas: de onde viemos? "É um desejo humano querer saber quais são nossas raízes. Além disso, o teste mostra, de uma maneira muito bonita, que somos todos uma mistura, que todos temos origens diversas", salienta.

    No Brasil, o Grupo Genera é o único até o momento que realiza testes de ancestralidade, embora a análise do material seja feita nos Estados Unidos. O mercado ainda é novo, mas vem conquistando os brasileiros. "Aqui nas Américas, temos uma população com origens de diversos lugares do mundo. Por isso, pessoas em busca de suas raízes, para compreendê-las melhor, resolvem fazer esses exames. O interesse é descobrir sua própria história para entender melhor quem você é", explica o médico e diretor do Grupo Genera, Ricardo di Lazzaro Filho.
    "Primos genéticos" pelo mundo
    Além das origens, algumas empresas também oferecem uma comparação dos testes de ancestralidade, o que possibilita, por exemplo, encontrar parentes distantes - chamados de "primos genéticos" - ou até mesmo familiares próximos em outros países e continentes.
    Joëlle Apter diz que a possibilidade rende descobertas familiares surpreendentes. "Temos um cliente francês, de cerca de 60 anos, que não sabia quem era seu pai. Ele fez o teste e na base de dados ele encontrou 'primos genéticos' que, na verdade, eram seus primos de primeiro grau. Ele os contatou e descobriu que tinha meio-irmãos nos Estados Unidos. O pai, infelizmente, já havia falecido, mas ao menos ele pôde encontrar irmãos e irmãs", conta.
    O franco-brasileiro Mahle Robin realizou um teste de ancestralidade e também encontrou "familiares" espalhados pelo mundo. Ele fez a análise na empresa 23andMe com um grupo de colegas na Suécia, onde estuda mídias digitais. "Descobri vários primos de quarto ou quinto grau e entrei em contato com algumas pessoas na Lituânia e nos Estados Unidos para saber de onde vem essa ligação genética, se temos o mesmo sobrenome, etc."
    Para Mahle, o que mais o surpreendeu nos resultados foi a revelação de suas origens indígenas. "O teste revelou o que eu já sabia, tenho raízes francesas e italianas. Mas fiquei muito feliz de contar com 1,6% de material genético de nativos americanos. Essa foi a informação que mais apreciei: saber que eu tenho origens verdadeiramente brasileiras, que data de antes da chegada dos colonizadores", comemora.

  • Um artigo publicado em outubro na revista Nature mostra que os macacos-prego do Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí, usam as pedras de várias maneiras diferentes.

    No vídeo publicado junto ao artigo da Nature, um grupo de macacos-pregos da Serra da Capivara aparece quebrando pedras para produzir fragmentos cortantes. Essas ferramentas teriam semelhanças com os primeiros objetos produzidos pelos primeiros humanos na idade da pedra, segundo o pesquisador brasileiro Tiago Falótico, um dos autores do estudo feito em parceria com a universidade de Oxford. As imagens foram feitas em 2014, mas só foram divulgadas agora.
    "Esse é um trabalho que nós fizemos em paralelo com os arqueólogos de Oxford. Trabalhamos na Serra da Capivara desde 2004. Acompanhamos grupos de macacos-prego catalogando o comportamento deles e registrando o uso das ferramentas de vários grupos para comparar e ver as diferenças", explica. Os primatas seriam mesmo capazes de escolher as pedras em função das curvas e bordas. As imagens também mostram que os macacos quebram as pedras para lamber o silício.
    "Esse comportamento já conhecemos desde 2005, mas o que não tínhamos reparado são as lascas que caíam desses fragmento", diz. Ele esclarece, entretanto, que os macacos não usam as lascas, diferentemente dos humanos, mesmo que as ferramentas sejam muito parecidas com as criadas pelos primeiros humanos. "Os arqueólogos sempre consideraram essa produção de lasca cortante como intencional, e mostramos que não é o caso com os macacos, mesmo criando um material similar, às vezes idênticos aos dos humanos".
    As escavações feitas pelos pesquisadores das universidades USP e de Oxford foram feitas em um vale situado perto do sítio arqueológico da Pedra Furada, no Parque Nacional da Serra da Capivara, em Piauí, diz a arqueóloga brasileira Niède Guidon. A diferença, explica Guidon, que estuda o local há décadas, é que no sítio da Pedra Furada os indícios de atividade humana são evidentes, já que foi encontrado material retocado.
    Homens e macacos
    Segundo ela, na Pedra Furada também há fogueiras estruturadas, com blocos, indícios da vida humana.  “O macaco não faz fogueira, por isso temos certeza de que esse material foi feito pelo homem”, avalia. A própria arqueóloga diz já ter visto os macacos fazerem buracos na rocha, por exemplo.
    O material produzido pela equipes brasileiras e americana será comparado ao da Pedra Furada, mas existem grandes diferenças, como a profundidade, por exemplo. “Esse material humano estava a mais de 8 metros, com fogueiras preservadas. Macaco não tem fogueira” declara.
    Uso humano é diferente, sublinha pesquisador francês
    O pesquisador Eric Boëda, da Universidade Paris 10, que também pesquisa o Parque Nacional Serra da Pedra da Capivara, diz que existe uma tendência a associar macacos aos primeiros homens da pré-história. “Por isso muitos consideram os nativos americanos como os primeiros homens pré-históricos”.
    Segundo ele, o objetivo dessa atividade dos macacos não era utilizar os fragmentos cortantes. “Quando observamos o processo humano, ele é completamente diferente. Ele vai utilizar a matéria-prima para polir ou triturar e usar o corte dos fragmentos de pedra. É como quebrar um copo e utilizar os cacos”, explica.
    No mundo da pesquisa arqueológica, já se sabe que a presença humana no continente americano, em locais como o sítio arqueológico da Pedra Furada, Serra da Capivara, no Piauí, por exemplo, data de cerca de 30 mil anos. Algumas, realizadas por termoluminescência, tinham mais de 100 mil.
    Objetos de pedra lascada ou polida contribuíram para provar que o homem chegou à região há muito mais tempo e que a distribuição da raça humana, assim como o desenvolvimento das primeiras ferramentas, teria sido uniforme em todas as regiões da Terra.
     

  • As pessoas que falam mais de um idioma assumem outras identidades? Este tema é objeto de estudo de linguistas e psicólogos há muito tempo, mas recentemente uma pesquisa mostrou que o bilinguismo provoca modificações cognitivas surpreendentes. A moral e a ética também mudam quando as decisões são tomadas em uma língua diferente da materna.

    A revista especializada “Scientific Americain” publicou em setembro um artigo que reúne vários estudos realizados com bilingues, trilingues e poliglotas. De acordo com o texto, na língua materna, as respostas a certos dilemas seriam mais "viscerais", já que o idioma natal em geral exprime as emoções, decodificadas no córtex cerebral. A memória dos conceitos de punição, transgressão, do que é certo ou errado, também se faz em nosso primeiro idioma, indicam os estudos. Em uma outra língua, as decisões tendem a ser mais simples e menos carregadas de emoção.
    “Ainda estamos no começo dos estudos cognitivos de uma maneira geral”, diz o presidente da Federação Internacional dos Professores de francês, Jean Marc Defays, especialista em linguística e didática da língua francesa. “Muitas coisas ainda precisam ser descobertas e submetidas a um julgamento científico”, declara. “Independentemente disso, quando falamos várias línguas, a partir de um certo nível, e temos acesso a diferentes culturas, sabemos que não somos exatamente a mesma pessoa. Essa é a grande dificuldade: isolar o fenômeno linguístico de outros fatores contextuais."
    Segundo ele, é preciso também levar em conta em quais circunstâncias a outra pessoa utiliza o idioma. “Há mais facilidade para um profissional que trabalha em inglês, por exemplo, falar sobre suas atividades que dos seus próprios sentimentos”, explica. As circunstâncias do aprendizado da língua (casamento, trabalho, estudos) são essenciais na maneira como o indivíduo vai utilizá-la para se expressar na sua vida cotidiana. “A aprendizagem de um idioma necessita de um investimento afetivo, emocional, humano, existencial e cultural muito importante. Passar pelo aprendizado humanista de uma língua transforma uma pessoa.”
    O professor vai ainda mais longe para explicar as mudanças de comportamento das pessoas que falam várias línguas. “É evidente que o funcionamento de um idioma tem um impacto no funcionamento cognitivo.” Segundo ele, um idioma “obriga” a decodificar o mundo de uma certa maneira, através de um novo vocabulário. E a sintaxe serve para reorganizar esse novo universo. “ Descrevendo o mundo, nós o interpretamos”, conclui.
    “Eu me sinto diferente”
    A jornalista alemã Carmen Lünsmann, que trabalha na editoria de Cultura da Rádio França Internacional, mora há mais de 15 anos em Paris. Além de utilizar o idioma em seu cotidiano, ela também trabalha em francês. Mesmo depois de tantos anos, ela diz que se sente “diferente” quando fala o idioma.
    “Sim, eu me sinto diferente. Como explicar isso? Eu diria que me sinto mais natural, em alemão. Tenho uma outra entonação, espontaneidade…em francês, fica meio artificial. É como se minha língua ficasse meio “pesada”, principalmente quando eu volto para a França depois de longas férias. Mesmo morando aqui há mais de 15 anos, adorando esse país e a cultura francesa, não me sinto francesa. Eu continuo sendo alemã.”
    A jornalista não acredita, entretanto, que suas opiniões ou valores mudem em francês ou alemão. “Pessoalmente não penso que minhas escolhas sejam diferentes em francês ou na minha língua materna. Eu tenho uma cultura bem enraizada em mim, que obviamente adapto em função do país em que vivo”.
    “Como se fosse uma atriz”
    Lisa Suto Faga trabalha para o Ministério francês da Ecologia e Desenvolvimento Sustentável e, como Carmen, vive e trabalha na França há 14 anos. Originária de Torino, na Itália, ela também vive entre duas culturas. “Não chego a me sentir uma outra pessoa, mas às vezes tenho a impressão de estar atuando, como se fosse uma atriz. É menos espontâneo. É uma outra parte de mim mesma”, diz.
    Ela diz que as reações mudam quando fala em italiano ou francês.  “A maneira de administrar as relações pessoais ou sociais são diferentes. Podemos ter uma reação um pouco diferente em um idioma ou outro”. Perguntei a Lisa se era verdade que os italianos falam alto, o que também mudaria sua maneira de se expressar em francês. “É um estereótipo! Pelo contrário: as pessoas costumam me pedir para falar mais alto”, esclarece.
     

  • Para favorecer a heterogeneidade na escola francesa, o ministério da Educação francês pretende delegar a um algoritmo, chamado Affelnet, a tarefa de distribuir os alunos a partir de 11 anos nas escolas parisienses. Seguindo diferentes critérios, principalmente a renda familiar, o programa tentará, desta forma, criar grupos com perfis mais diversificados.

    Esse mesmo programa já é utilizado, desde o ano 2000, nos liceus em Paris, o equivalente ao segundo grau no Brasil. A capital é um dos territórios pilotos para a adoção do método, já utilizado em diversos países, inclusive da América Latina, na tentativa de diminuir a exclusão e a criação de guetos escolares.
    Na França, no ensino fundamental, os pais podem inscrever os alunos em uma escola próxima de sua casa. Isso significa que, até 11 anos, as crianças não saem de seu próprio bairro, seja ele mais rico ou mais pobre, o que acaba reforçando as desigualdades.
    Segundo o economista Julien Grenet, encarregado de testar o experimento na região parisiense, o Affelnet usará critérios específicos contra a segregação. A ideia é que sejam favorecidas outras características, como a renda familiar, deficiência física, ou alunos que já tenham um irmão estudando na mesma escola, por exemplo. O objetivo é ampliar o perímetro do chamado "setor geográfico" onde se situaria a escola do aluno -lembrando que muitos bairros têm setores mais ou menos populares.
    Um dos critérios considerados valiosos é o valor pago pelos pais na cantina da escola, que difere de acordo com o nível socio-econômico na França. Contrariamente ao liceu, as notas não sõa levadas em conta - a França pretende suprimir o sistema de avaliação por notas até o ensino médio.
    Prêmio Nobel
    "Foi com esse algoritmo que Alvin Roth et Lloyd Shapley ganharam o prêmio Nobel de Economia em 2012", explica Grenet. "É algo que funciona bem no liceu, na escola primária e também no ensino superior, e que também é usado em vários países da América do Sul", explica. "O algoritmo em si mesmo é muito simples, a diferença são os critérios utilizados. Alguns países vão utilizar as notas, outros os critérios sociais para equilibrar a composição dentro do estabelecimento. Outros países vão utilizar a localização geográfica. É o caso de Chicago", diz.
    Escola particular x escola pública
    O Ministério da Educação tenta, também, diminuir a influência da escola particular na França, subsidiada pelo governo, mas com liberdade para escolher seus alunos. "Em Paris, apenas 4% dos alunos das escolas particulares vêm das classes mais baixas", declara Grenet.  Diversas associações de pais foram criadas para estimular as famílias a manterem seus filhos na escola pública e mudar a composição social. "Mas é claro que existem pais contrários a essa iniciativa", diz.
    Luta contra o terrorismo
    A mudança anunciada pelo governo no final de 2015 também entra nas medidas preconizadas na luta contra o terrorismo. Na realidade, o governo percebeu que a segregação social favorece a separação entre alunos e reforça o fenômeno da radicalização e exclusão do sistema. "Para construir uma sociedade onde os grupos sociais se aceitam mutuamente, é preciso quebrar essas barreiras. Vários estudos, feitos antes dos atentados mostraram que a França tem essa característica de segregação escolar atrás de seus ideais de valores republicanos".
    Algoritmo não é varinha mágica, diz ministra
    Um algoritmo pode ser infalível nessa questão? A pergunta suscita um amplo debate, já que o Affelnet já cometeu erros: o programa colocou juntos, na mesma sala do no liceu Turgot, por exemplo, 83% dos bolsistas – alunos de bairros mais populares, com boas notas, que recebem ajuda do governo para frequentar escolas da capital. Paradoxalmente, a própria ministra da Educação, Najat Vallaud Belkacem, disse em entrevista à imprensa francesa que um algoritmo não é “uma varinha mágica”. Ela também lembrou que, independentemente da ferramenta, a proximidade do domicílio continuará sendo uma prioridade.
    Para o Sindicato Nacional de Professores do primeiro grau na França, um programa não pode resolver o problema da desigualdade. “Os sociólogos mostraram que, mesmo que as regras de distribuição nas classes mudema demanda social se adapta, e as estratégias dos pais evoluem, favorecendo a reprodução de seu próprio universo”, disse o representante da entidade, Thierry Ananou, ao jornal Le Monde. “A única maneira de trabalhar a favor da heterogeneidade de classes é dar recursos às escolas para que todos os alunos sejam bem-sucedidos”, lembra.
     

  • Um carro autônomo, que dispensa um motorista, deve colocar em primeiro lugar a vida dos passageiros ou dos pedestres em caso de um acidente inevitável?

    Esse dilema foi o ponto de partida de um estudo recente publicado na revista norte-americana Science, que consistiu na aplicação de seis questionários online sobre o assunto a moradores dos Estados Unidos. A maioria das pessoas respondeu que apenas usaria um carro que privilegiasse a vida dos passageiros
    A pesquisa foi realizada em conjunto por psicólogos e cientistas da computação da Escola de Economia de Toulouse, na França, e da Universidade de Oregon e do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, ambos nos Estados Unidos.
    Para a advogada brasileira Andréa Martinesco, pesquisadora de veículos autônomos no Instituto Vedecom, em Paris, a questão é complexa. “É um dilema filosófico, e um dilema filosófico não tem fim, pode ser adaptado cada vez a uma questão diferente. Você não pode, no direito penal, aqui na França nem no Brasil nem na Alemanha, por exemplo, fazer uma distinção quantitativa , ou seja, cinco vidas contra duas, nem qualitativo, como a vida de cinco condenados à prisão contra a vida de cinco trabalhadores."
    Ponto de vista legal
    Andrea, que é servidora licenciada do Ministério Público do Paraná e realiza um doutorado em direito no instituto francês, analisa como a questão deve resolvida do ponto de vista legal.
    "Na hora de desenvolver os algoritmos, que vão ser embarcados nesse veículo, isso tem que ser discutido em nível de legislação. E quem faz a legislação são os nossos eleitos. Uma vez que seja tomada a decisão, o direito penal não vai poder olhar se deveria ter virado à esquerda e matado só duas em vez de cinco."
    Porém, nos questionários, as pessoas se mostravam geralmente relutantes em aceitar uma legislação do governo sobre algoritmos de inteligência artificial, mesmo se isso significasse uma maneira de solucionar o dilema. O estudo apresentou ainda diferentes cenários, variando o número de pedestres que poderiam ser salvos e acrescentando pessoas da família às situações de risco.
    Máquina toma a decisão
    Para Andrea, essa é uma discussão fundamental para o futuro dos carros autônomos. "Ela vai determinar os algoritmos, as decisões que já vão estar dentro da máquina, embarcadas. A diferença entre eu e a máquina é que eu tomo minhas decisões como condutora por reflexo. A máquina vai obedecer o sistema, com dados que vão ser analisados em tempo reduzido, e o carro vai tomar uma única decisão, e essa decisão tem que estar assegurada."
    Os carros autônomos voltaram às manchetes com o anúncio da fabricante Tesla de que um motorista morreu em um acidente em um carro semiautônomo, que necessita a presença de um condutor para tomar o controle do veículo em caso de necessidade. E também pela intenção de se realizar uma consulta pública no Reino Unido para regulamentar o seguro e outras regras para os carros autônomos. "
    As vantagens desse tipo de carro são a segurança, pois a maioria dos acidentes são provocados por motoristas; a preocupação com o meio ambiente, pois eles são elétricos; e a inclusão de pessoas deficientes ou muito idosas", diz Andrea.
    Atualmente os carros 100% autônomos continuam a ser aprimorados por empresas e institutos de tecnologia e não são comercializados em nenhum país.

  • Duas descobertas recentes realizadas por institutos de pesquisa europeus da República Tcheca, da França e do Reino Unido aumentaram a esperança de se encontrar uma vacina ou um remédio contra a zika. A doença, cujo país mais afetado é o Brasil, com quase 100 mil casos, se espalha pelos cinco continentes.
    Pesquisadores do Imperial College de Londres, em colaboração com o Instituto Pasteur e o Centro Nacional para a Pesquisa Científica, ambos em Paris, anunciaram na semana passada que encontraram anticorpos que são capazes de neutralizar o vírus da zika, uma descoberta que abre caminho para uma vacina.
    Em entrevista à RFI, a pesquisadora Juthathip Mongkolsapaya, da faculdade de medicina do Imperial College, explicou como chegaram a essa descoberta: " Isolamos os anticorpos de pessoas contaminadas com dengue. Então nós estudamos como esses mesmos anticorpos agem contra o vírus da zika, pois a dengue e a zika são infecções muito parecidas. E nós descobrimos que esses anticorpos podem neutralizar o vírus da zika. Foi esse o resultado da nossa pesquisa".
    Juthathip, que é professora de imunologia, conta que ela e o pesquisador Gavin Screaton, também da universidade britânica, começaram a se interessar pela zika depois do surto no Brasil e na América Latina.
    "Nós iniciamos pesquisando sobre a dengue. Quando houve o surto de zika, a doença chamou nossa atenção. Porque o vírus existe há muito tempo, mas, como não estava causando nenhum problema, não havia tanto interesse em pesquisá-lo. Porém, com a epidemia, estamos nos esforçando para encontrar uma solução. Achamos que essa descoberta pode nos levar à criação de uma vacina preventiva contra a zika e contra a dengue. Essa vacina beneficiaria os habitantes de países afetados por ambas as doenças, como o Brasil", disse.
    Na pesquisa, eles selecionaram dois anticorpos, chamados EDE, capazes de deter a dengue e descobriram que um deles era particularmente eficaz para neutralizar o vírus da zika. A partir daí, com diversas técnicas, os pesquisadores conseguiram reconstituir o local preciso onde esse anticorpo se fixa sobre a proteína que envolve o vírus e descobriram que o local de fixação era o mesmo do vírus da dengue. Essa descoberta permite trabalhar na produção de uma vacina de proteção contra todos os vírus do grupo.
    Relação entre zika e encefalite transmitida por carrapato
    Outro estudo recente vem do Instituto de Parasitologia da Academia Tcheca de Ciências, na cidade de České Budějovice. Um grupo de cientistas, liderado por Daniel Růžek , descobriu um grupo de substâncias que são eficazes contra o vírus da zika.
    "Começamos dois anos atrás estudando o vírus da encefalite transmitida por carrapatos. Nós testamos algumas substâncias que poderiam ser eficazes contra o vírus. Havia um grupo de cerca de 14 substâncias. Começamos a testar e tivemos a sorte de identificar cinco substâncias que eram altamente ativas contra esse vírus. Depois desses testes realizados em células, fizemos alguns experimentos usando ratos de laboratório, que confirmaram a eficácia das substâncias. Depois disso, o surto da zika começou, e os vírus da zika e da encefalite transmitida por carrapatos são muito semelhantes. Então trabalhamos com a hipótese de que essas substâncias também seriam eficazes contra a zika, e descobrimos que a hipótese era verdadeira", explicou Růžek, em entrevista à RFI.
    As substâncias a que o pesquisador se refere são chamadas "análogos de nucleosídeos", que agem inibindo a síntese de RNA (ácido ribonucleico). Růžek, que é professor e doutor em microbiologia, explica como elas agem contra o vírus da zika: "Elas impedem a replicação do vírus, agindo sobre uma das enzimas que ele usa. Então essas substâncias bloqueiam a replicação do vírus na célula hospedeira."
    O pesquisador diz que a descoberta pode levar à criação de um medicamento. "Estamos apenas no início. Conhecemos quais substâncias que podem ser eficazes e o 'calcanhar de Aquiles' do vírus. Há ainda um longo caminho para um remédio. Pode levar 5, 10 ou 15 anos. Ninguém sabe ainda. Mas esses resultados são muito importantes para o próximo passo."
    Há mais perguntas que respostas
    A epidemia de zika está associada a graves anomalias no desenvolvimento cerebral, principalmente à microcefalia. Até o momento não existe nenhuma vacina contra a zika, ao contrário da dengue, que já dispõe de uma vacina desenvolvida pelo laboratório francês Sanofi.
    O diretor da organização britânica Wellcome Trust, Jeremy Farrar, disse que ainda há mais perguntas que respostas sobre a zika. A entidade financiou o estudo do Imperial College de Londres. Uma das questões que ainda não foram respondidas é por que o vírus da zika no sudeste asiático e na África, onde está presente há muito tempo, não se desenvolveu da mesma forma que na América do Sul.

  • Acceo é o nome do aplicativo recém-lançado na França inteiramente dedicado a pessoas surdas ou com limitações de audição, uma população que contabiliza atualmente cerca de 7 milhões de franceses. A RFI entrevistou pela primeira vez por telefone um surdo de nascença, Arnaud Repellin, além de representantes da marca responsável por lançar o aplicativo na França.

    O novo aplicativo visa atingir uma parcela do público europeu que só tende a aumentar nos próximos anos, devido ao envelhecimento da população e ao aumento da poluição sonora. Segundo Dominique Ruault, diretor da marca, o Acceo já existe no mercado francês há 10 anos, mas pela primeira vez é popularizado massivamente e distribuído a estabelecimentos franceses cadastrados, por meio de uma aplicação gratuita disponível na App Store e no Google Play.
    "A importância deste serviço é tornar acessíveis os estabelecimentos públicos e privados à totalidade da população surda ou com limitações auditivas. Só para lembrar, os surdos e as pessoas com dificuldades para ouvir representam quase 10% da população francesa. São pessoas que possuem basicamente duas maneiras para se expressar, seja por meio da língua francesa de sinais, ou oralmente, como você e eu”, afirma Ruault.
    Fator humano e a e-transcrição
    "Efetivamente, quando pensamos sobre os serviços que desejávamos oferecer à população surda ou que escuta com dificuldade, levamos em conta o fator humano. Quando a pessoa telefona aos estabelecimentos cujo acesso se tornou possível devido a este aplicativo, ela é colocada diretamente em contato com um operador Acceo, ou em linguagem de sinais ou em através do sistema de transcrição instantânea, e isso lhe permite de visualizar este operador, o que proporciona muita segurança para pessoas que ou nunca telefonaram na vida e que começam a fazê-lo graças ao serviço", explica Dominique Ruault.
    "No que se refere à atividade da Acceo hoje, temos mais de 20 mil estabelecimentos que se tornaram acessíveis graças ao aplicativo. São mais de 100 mil chamadas por ano, temos mais ou menos 100 atendentes à disposição e contratamos entre 15 e 30 novas pessoas a cada ano, com um detalhe: inventamos um novo segmento de mercado na França, a e-transcrição, que permite decodificar as demandas de pessoas surdas para que todos possam lê-las, afirma o diretor.
    "Cada operador segue uma formação intensiva de dois anos em nossa sede da região de Les Bouchoux, no Alto Jura, no leste da França. Trata-se de uma formação especializada que capacita profissionais a transcreverem muito rapidamente, na velocidade do discurso, ou seja, de mais de 200 palavras por minuto", detalha Ruault. "Lançamos um novo jeito de se comunicar para surdos ou pessoas com dificuldade de ouvir, atarvés de uma aplicação gratuita disponível para ser baixada por toda população francesa, em todos tipo de dispositivos como tablets e smartphones. Graças a este recurso, essas podem telefonar diretamente para estabelecimentos cadastrados que se tornaram acessíveis para essa parcela importante da sociedade - 10% apenas na França - por meio dessa tecnologia", finaliza Dominique Ruault, diretor da Acceo.

    "Um dos grandes destaques desta aplicação é permitir às pessoas surdas ou com limitações auditivas de geolocalizar os estabelecimentos comerciais que estão ao redor, para poder telefonar e entrar em contato com eles. Mas não trabalhamos apenas com essa lógica pontual de marcar encontros por telefone, o que interessa mesmo é a experiência destas pessoas enquanto clientes, pacientes, cidadãos... A experiência como cliente inclui não apenas telefonar ao banco, mas interagir com seu gerente e negociar taxas, por exemplo… “
    Surdez e oralidade no cotidiano
    Arnaud Repellin, de 44 anos, é surdo de nascença e concedeu uma entrevista para a RFI utilizando o aplicativo Acceo. Arnaud, que trabalha atualmente na EDF, uma empresa fornecedora de energia, é também voluntário na Handisport, a Federação Francesa de Esporte para deficientes.
    “Depois que este sistema foi disponibilizado para surdos e pessoas com limitação auditiva, foi como uma revolução para nós, porque enfim pudemos conversar por telefone e receber as mensagens de vocês, coisas que até então nunca tínhamos feito. Não nos sentíamos confortáveis em nos comunicar por telefone, era sempre por SMS ou e-mail, mas a oralidade é importante no cotidiano, é algo direto", afirma Repellin.
    O francês possui 90% de surdez e nunca tinha utilizado um telefone na vida, antes do aplicativo. Fluente na língua de sinais, ele aprendeu e foi estimulado a falar relativamente cedo. Arnaud conta particularidades do processo de adaptação ao novo aplicativo e às facilidades adquiridas por meio do uso do telefone.
    “Aprendi a falar, mas me sentia verdadeiramente à parte por causa da surdez. É curioso, como eu me exprimo bem oralmente, muitas pessoas não acreditam que eu seja realmente surdo e desligam na minha cara. Outra possibilidade é que a operadora disponível pelo aplicativo na linguagem de sinais seja uma mulher, o que pode confundir um pouco meu interlocutor. É, de verdade, uma mudança importante para todo mundo ”, finaliza Repellin.
    O Acceo tem em sua lista de clientes não apenas grandes cidades francesas como Paris, Bordeaux e Nice, mas também redes bancárias importantes equipamentos de turismo e segurança urbanos, hospitais, e mesmo gigantes como as empresas francesas EDF, GRDF, do setor energético, e SNCF, de transporte público.
     

  • Um quilo de penas e um quilo de chumbo caem na mesma velocidade. Galileu já havia feito o experimento no século 17 e a resposta é sim: os dois corpos tocam o solo no mesmo instante. Foi baseado neste princípio que Albert Einstein, três séculos depois, batizaria a sua Teoria da Relatividade Geral. Agora, um microssatélite francês, chamado Microscope, vai buscar uma brecha nesta teoria.
    Para isso, ele está muito bem equipado. O forte do satélite é a sua precisão. No espaço, ele poderá obter um resultado 100 vezes mais exato do que este que conhecemos aqui na Terra.
    Lançado no último dia 22 da base da Guiana Francesa, Microscope ficará em órbita durante dois anos carregando duas massas: uma de platina (fazendo o papel de pena) e uma de titânio (fazendo o papel de chumbo) que ficarão continuamente em queda livre para tentar encontrar uma violação na gravitação.
    Thibault Damour, físico e professor no Instituto de Altos Estudos Científicos da França, afirma que esta experiência única no mundo poderá trazer um grande avanço para a física contemporânea. “Sairemos ganhando nos dois casos. Se o Microsope não encontrar nada, confirmaremos um dos princípios de base da Teoria da Relatividade Geral como Einstein a descreveu em 1915. Mas, se encontrarmos algo novo, isso não vai contrariar completamente a teoria, mas mostrará que precisaremos completá-la. Ou seja, isso dará uma riqueza adicional à física da gravitação.
    15 anos de trabalho

    A criação do Microscope levou 15 anos de trabalho e mobilizou 300 cientistas. O satélite é dotado de um laboratório de física quase perfeito. Tudo foi pensado e estudado para que o resultado final não seja falso, como explica Yves André, chefe do projeto no Centro Nacional de Estudos Espaciais francês. “O satélite vai representar um laboratório mais perfeito possível para o teste da queda livre. Ele vai compensar todas as forças que não são gravitacionais de maneira a oferecer ao instrumento as melhores condições para atingir essa precisão.”
    O objetivo do Microscope é verificar o princípio da equivalência entre gravitação e aceleração utilizado por Einstein em sua teoria. O satélite vai estudar o movimento relativo dos corpos realizando a queda livre mais perfeita possível.
    Na Terra, o princípio da equivalência foi verificado com um grau de precisão que vai até a 13ª casa decimal, ou seja, 10 números depois da vírgula. O Microscope espera conseguir chegar até a 15ª casa.
    “O Microscope nos exigiu muito dinheiro e muita energia, mas é uma aventura apaixonante. Trabalhamos muito antes de enviá-lo ao espaço, agora é a hora de ver se todos os cálculos e previsões que fizemos se confirmam. Será uma etapa muito excitante”, afirma Yves André.
    Pesando 300 quilos, Microscope foi colocado em órbita a uma altura de 711 quilômetros. O projeto teria custado ao todo € 130 milhões. Um preço alto, mas que pode render uma revolução para a física.

  • O Google se transformou em sinônimo de busca na internet, mas a empresa possui divisões em várias áreas: inteligência artificial, saúde e cultura. Há cinco anos, o gigante da web decidiu investir no mecenato, com a criação do Instituto Cultural do Google, a maior galeria virtual do planeta, que tem a ambição de democratizar a arte produzindo ferramentas para digitalizar e catalogar as obras, em altíssima definição.

    No início do mês, a empresa abriu as portas do instituto em Paris para apresentar novos projetos e parcerias com centros na América Latina e no Brasil. Entre eles, o Museu Afro Brasil, o Centro Cultural São Paulo e a Casa Guilherme Almeida, pioneiros na utilização da técnica de captura de imagens em alta definição, ou gigapixel, mais precisas do que o próprio olho humano.
    Esse trabalho é feito por uma ferramenta criada pelo Google chamada Art Camera, que tira milhares de fotos ampliadas das obras. Em seguida, eles são organizados por um software que reproduz o quadro original. Superdimensionada, a imagem digital revela detalhes que passam muitas vezes despercebidos por um visitante em uma exposição. Um dos exemplos mostrado por Dirk Friedrich, gerente do Instituto Cultural, é o retrato de Guilherme Almeida, de autoria do pintor Lasar Segall, de 1927, exposto na Casa Guilherme Almeida. Na imagem digitalizada e ampliada, é possível enxergar a palavra “Soidade”, sinônimo de “Saudades". Um detalhe impossível de ser notado a olho nu.
    O projeto piloto do Art Camera está sendo realizado na América Latina  há vários meses, explica Laurent Gauveau, diretor do instituto. A novidade é que antes, essa digitalização, que exigia vários dias, poderá ser feita em cerca de uma hora.  "É um projeto que começamos há muito tempo e testamos com vários parceiros no mundo inteiro e grandes pintores, como Van Gogh ou Chagall. No nosso laboratório em Paris, nossos engenheiros trabalharam na captura em ultra alta definição de uma maneira mais simples e confortável para nossos parceiros”, diz.
    Instituto Cultural do Google também investe na música
    O novo parceiro brasileiro do Google é o portal Musica Brasilis, criado em 2009 pela cravista e engenheira de computação Rosana Lanzelotte, com o apoio do BNDES. A ideia é divulgar a música brasileira através de projetos educativos que incluem, por exemplo, o resgate de partituras de compositores célebres brasileiros – apenas 20% desse acervo está disponível. Uma experiência diferente, já que o Instituto Cultural se interessa principalmente por instituições proprietárias de obras de artes plásticas.

    “Eles nos procuraram porque estavam querendo enriquecer a plataforma deles com outros tipos de acervo. Assinamos um contrato bastante volumoso. Eles queriam ter certeza de que detíamos todos os direitos de tudo o que estava sendo colocado online”, conta Rosana.
    “Na época, fui curadora da exposição Rio – 450 anos de música, que mostrava, através de instalações interativas, os diversos momentos da música no Rio, desde os Tupinambás até o século 21. Esse me pareceu um conteúdo de base para a plataforma. Em muitos momentos artistas plásticos se interessaram pelas práticas musicais”, conta.
    Segundo Rosana, o encontro trouxe várias ideias. Uma delas é aproveitar uma outra tecnologia fornecida pelo Instituto, Performing Art, que captura imagens em 360°. Isso possibilita ao internauta assistir a um espetáculo de dentro do palco, uma experiência realizada, por exemplo, durante a exibição de "Lohengrin", ópera de Wagner, no Teatro Municipal de São Paulo. “Nós fazemos também uma série de concertos, e para essa série estou querendo usar essa tecnologia 360”, diz.
    Empresa adaptou street-views para museus
    Outra novidade apresentada pela empresa é a adaptação da câmera utilizada no site Google Street View, que mapeia as ruas do mundo. O suporte foi modificado para que o ela pudesse percorrer os museus e fotografar os quadros em espaços internos - normalmente é um carro que realiza as imagens. Durante essas "expedições culturais", uma descoberta mais do que inusitada foi feita: o teto da Ópera de Paris, ampliado e pintado por Marc Chagall, esconde um retrato dele mesmo quando era bebê. “A equipe do Google trabalhou à noite para captar as imagens, já que o metrô provocava uma trepidação na câmera que afetava a resolução”, explica Charlotte Fechoz, coordenadora do laboratório. As mais de 6 milhões de peças artísticas também incluem a descoberta de uma imagem oculta no quadro de Chris Ofili, No Woman, no Cry, que está em exibição na Tate Gallery.

    O Instituto também confere uma atenção especial à street-art. Em São Paulo, as equipes digitalizaram cinco obras dos artistas "Os Gêmeos", que podem ser conferidas on-line.

  • A primeira detecção direta das ondas gravitacionais, anunciada recentemente com uma das descobertas mais importantes da ciência, vai abrir uma nova era para o estudo da astronomia e da física e ajudar a desenvolver projetos sobre o tema em muitos países, incluindo o Brasil.
    O experimento foi resultado de uma parceira envolvendo mais de 1.000 pesquisadores espalhados pelo mundo e unidos pela Colaboração Científica LIGO, sigla em inglês para Observatório de Ondas Gravitacionais por Inferometria Laser, que tem dois detectores instalados nos estados da Louisiana e Washington, nos Estados Unidos.
    Nesses equipamentos gigantescos, com dois braços de 4 quilômetros de extensão, foram detectadas pela primeira vez, em 14 de setembro de 2015, exatamente às 6h51 da manhã pelo horário de Brasília, as ondas gravitacionais emitidas pela coalizão e fusão de dois buracos negros há 1,3 bilhão de anos-luz. A confirmação das ondas só foi feita quase cinco meses depois, em 5 de fevereiro. Isto porque muitos testes foram realizados para confirmar se houve mesmo a observação das ondas gravitacionais previstas por Albert Einstein há exatamente 100 anos.
    Entre os participantes da bem-sucedida aventura científica estão pesquisadores brasileiros do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais do Brasil (INPE), e do Centro Internacional de Física Teórica da Universidade de São Paulo (UNESP).
    Odylio Aguiar, do INPE, é o chefe da missão brasileira do LIGO e membro do Conselho da Colaboração Científica, que reúne um seleto grupo de 200 cientistas, basicamente os chefes de grupos envolvidos no experimento.
    Segundo ele, houve um processo rigoroso de checagem das informações, antes da descoberta ser aceita e publicada oficialmente pelo jornal Physical Review Letters. “Todas as hipóteses foram checadas, inclusive a possibilidade de hackers terem entrado nos dados e manipulado. Eles checaram todas as senhas usadas. Eles foram atrás de todos os operadores dos computadores; tudo foi checado, inclusive a possibilidade de que o sinal tenha sido colocado maliciosamente. O trabalho durou duas semanas até a divulgação da descoberta”, explicou.
    Proposta brasileira inédita
    Odylio Aguiar fez doutorado em Louisiana no final dos anos 80, e integrou da equipe que propôs o local para a instalação de um dos observatórios do LIGO, quando o projeto ainda estava na fase inicial. “Nós visitamos uma área de florestas, de plantação de pinheiros e propomos o local para a instalação de um dos aparelhos, que tem quatro quilômetros, e ele foi aceito”, lembra.
    Esse histórico pesou para entrada na equipe de colaboradores brasileiros do projeto, em 2011. “Nós entramos na Colaboração com uma proposta nossa, que foi uma invenção minha, de isolamento gravitacional. A invenção de um sistema de pêndulos alinhados em que você economiza espaço vertical. Eles gostaram muito desta minha invenção. Eu propus essa invenção com meu aluno de mestrado Márcio Constant e fiz a proposta de usar essa tecnologia para melhorar a sensibilidade do LIGO. Assim, eles aprovaram a minha entrada na Colaboração, e com isso fui agregando mais pessoas”, conta.
    Além disso, a participação do cientista César Costa diretamente no projeto durante um período de estudos nos Estados Unidos contribuiu na decisão de colocar a equipe de brasileiros no experimento.
    “Quando ele voltou do doutorado nos Estados Unidos, já foi acolhido no grupo que tinha iniciado a colaboração. O César Costa trabalha na caracterização dos ruídos dos aparelhos. Desde 2008 ele vem trabalhando na cooperação científica estudando quais os tipos de ruídos que podem existir nos dois aparelhos, como detectar se estão ocorrendo esses ruídos, como limpar os ruídos dos dados ou como vetar os dados naquele momento em que neste caso extremo, você não consegue retirar esses ruídos. Essa parte foi essencial para o julgamento deste sinal”, afirma. 
    O grupo do INPE participa do estudo para melhorar o isolamento gravitacional do aparelho LIGO. “A gente estuda trabalhando para que os espelhos do LIGO não se mexam, para que eles estejam bem ‘quietos’ de forma que a onda gravitacional, quando chegue, mude a posição deles e então o feixe de laser percebe e detecta esse movimento”, explica Odylio Aguiar.
    No futuro, a equipe vai contribuir com o resfriamento desses espelhos. “A equipe faz experimentos e simulações para conseguir resfriar esses espelhos e diminuir o ruído térmico deles, pois a vibração térmica poderia perturbar, perceber que aquelas frações mínimas. O LIGO tem a sensibilidade para perceber que os espelhos se mexem de uma parte em mil do diâmetro de um próton, ou seja, é uma coisa muito pequena”, afirma.
    Já a equipe da Unesp, sob responsabilidade de Ricardo Sturani, trabalhou no modelamento das órbitas de duas estrelas, ou seja, faz os modelos que são usados para checar o sinal. “Quando você recebe o sinal, você tem várias formas de ondas teóricas de todas as combinações possíveis, por exemplo. De dois buracos negros orbitando um perto do outro. Então você tem uma onda de um buraco negro de massa 10 vezes maior que a do sol, orbitando com um de 40 massas do sol. Você tem a forma de onda de um de 15 com outro de 60, você compara então todas as combinações com as que você detectou e você vê qual se ajusta melhor. Então a que se ajustou melhor foi uma de 26 com outra de 39 massas solares”, explica Aguiar.
    No total, cinco equipes espalhadas pelo mundo trabalharam diretamente com dados que foram analisados com os modelos desenvolvidos por outros grupos. “A colaboração é muito complexa. Ela envolve vários grupos que se dividem em inúmeras tarefas. O “paper” tem mil autores, mas a colaboração tem mais gente, de 1.300 a 1.400 pessoas, além dos técnicos. Tudo isso é dividido em tarefas, uma divisão fantástica e tudo no sentido de otimizar ao máximo detecção e o sucesso da empreitada”, diz.
    Detector brasileiro

    O Brasil tem um detector de ondas gravitacionais desde 2000, o Mário Schenberg, apoiado em 90% pela FAPESP. No entanto, o equipamento que ainda não tem a sensibilidade do LIGO. “O LIGO foi um aparelho especial no mundo todo com investimentos de US$ 600 milhões. Nenhum outro detector no mundo recebeu tantos recursos para obter esse sucesso como o LIGO. No aparelho brasileiro, nem US$ 1 milhão foi investido nestes 16 anos. Mesmo assim, ele está em um estágio avançado de sensibilidade. A gente espera detectar ondas gravitacionais com o nosso aparelho”, diz, otimista.
    “Os investimentos para melhorá-lo não serão mais tão altos”, continua Aguiar. “Na última operação, realizada em novembro do ano passado, um dos sensores atingiu o fator cinco da sensibilidade máxima possível na temperatura que a gente operou. A gente espera colocá-lo na sensibilidade máxima na próxima corrida. Nós também vamos resfriar nosso aparelho a temperaturas menores no futuro, e então a sensibilidade deverá melhorar ainda mais"; diz.
    “Os investimentos que gente precisa para colocá-lo em sensibilidade máxima são pequenos, porque os sensores são pequenos. Precisamos de poucos materiais, é mais mão-de-obra e paciência para ajustar todos os parâmetros dos sensores”, afirma Aguiar, informando que a o detector, que se encontra no Instituto de Física da USP, está sendo transferido para a sede do INPE, em São José do Rio Preto.
    Parceria com países da América do Sul
    Assim que foi confirmada a detecção das primeiras ondas gravitacionais, o professor Odylio Aguiar acelerou as discussões com pesquisadores de outros dois países, principalmente Argentina e México, para construir um aparelho com as mesmas características na região.
    As primeiras conversas neste sentido tiveram início em julho, durante um encontro de pesquisadores internacionais no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas no Rio de Janeiro. Eles concordaram que era preciso a confirmação das ondas gravitacionais pelo LIGO para seguir adiante com a iniciativa. Com o anúncio feito em fevereiro, o projeto ganhou outro ritmo.
    “Não só queremos colocar a antena brasileira para detectar como vamos juntos com outros interessados na América Latina tentar propor a construção na América do Sul de um interferômetro laser deste que foi usado na detecção deste evento. Este é um projeto caro, mas de longo prazo. A gente só espera colocá-lo para funcionar depois de 2030”, prevê.
    “Teremos a colaboração do LIGO e de outras instituições. É importante ter interferômetro laser longe um do outro, em várias partes do mundo, porque você consegue posicionar de onde veio o sinal com mais clareza. Precisa haver um na América do Sul”, defende. “O problema é que você tenha que escolher um lugar que não tenha terremoto, para evitar que o tremor destrua o aparelho ou todo o sistema de espelhos. Por isso, é preciso que seja instalado em um local ‘calmo’. Neste sentido, Brasil e Argentina têm uma certa vantagem”, afirma.

     

  • Pela primeira vez na história, um programa de computador conseguiu vencer um campeão de Go, um jogo de estratégia surgido na China e considerado um dos maiores desafios para os pesquisadores em Inteligência Artificial.

    Popular na Ásia, Go é um jogo de estratégia criado na China há cerca de 2.500 anos. Desde o advento da internet, o Go on-line conquistou internautas no mundo todo, inclusive no Brasil. Sua dificuldade consiste no número de combinações possíveis, maior que as do xadrez. Esse aspecto faz  dele um desafio para os pesquisadores em inteligência artificial - simulações matemáticas das sinapses dos neurônios humanos, que determinam as ações cerebrais.
    Uma equipe da GoogleMind, divisão do Google que se dedica à questão, criou um algoritmo que conseguiu o feito de vencer um jogador profissional: Fan Hui, um francês de origem chinesa, considerado como o melhor da Europa. O programa, chamado Alpha Go, surpreendeu o mundo da tecnologia. A vitória aconteceu em outubro, mas só agora foi divulgada pelo Google. O próprio Hui disse à imprensa francesa estar admirado como o robô jogava “como um humano”. Em março, o superalgoritmo vai enfrentar o sul-coreano Lee Sedol, 32, uma verdadeira máquina humana de Go.
    O que faz a inteligência artificial?
    Para entender a importância desse feito, é preciso antes compreender um pouco o que faz e estuda a inteligência artificial. Como o próprio nome diz, o objetivo é "ensinar" as máquinas a pensarem como humanos. Tudo isso é colocado em prática em fórmulas matemáticas dificilmente compreensíveis para o cidadão comum.
    Um desses métodos, utilizado pelo Alpha Go, é o chamado deep learning. Trata-se de um conjunto de modelos de cálculo inspirado no funcionamento das camadas mais profundas dos neurônios biológicos, surgido nos anos 80, e que se desenvolveu com a Internet e das bilionárias empresas de novas tecnologias, que passaram a financiar estudos.
    Na prática, essas pesquisas implicam na capacidade da máquina, por exemplo, de reconhecer uma imagem ou a linguagem que está sendo falada. O método é muito usado no reconhecimento facial e vocal como é o caso do programa Siri, da Apple. Esses robôs são capazes, dissecando modelos matemáticos que incluem bilhões de dados, a agir como um humano em determinados casos.
    Reproduzindo emoções humanas
    Indo um pouco mais longe, esses programas poderiam no futuro decodificar e reproduzir emoções humanas, por exemplo  - uma situação bem ilustrada no filme “inteligência artificial”, de Steven Spielberg, lançado em 2001.  Longe da ficção científica, a vitória do Alpha Go mostra que os progressos na área são cada vez maiores, e o método utilizado é comprovadamente eficaz. 
    “Uma consequência positiva para os pesquisadores da área é que isso abre várias portas no campo industrial. Se dissermos que o método de redes profundas, utilizado pelo Google pra vencer Fan Hui, pode resolver o problema, talvez agora as pessoas acreditem com mais facilidade”. explica o pesquisador em inteligência artificial Olivier Teytaud, do Instituto Nacional em Pesquisa Informática na França.
    Dificilmente compreensível para o grande público
    Na verdade, a Inteligência Artificial é uma ciência tão complexa que falar dela para um público não-especializado é um desafio que mesmo as máquinas potentes e os super algoritmos ainda não conseguiram resolver.
    “Essas redes profundas são muito eficazes no reconhecimento de imagens, voz, e a previsão de maneira geral. O resultado é impressionante nesta área de estudos das redes profundas, que simula neurônios biológicos pelo computador. Não esperávamos isso antes dos resultados divulgados pela Universidade de Edimburgo”, destaca Teytaud. A universidade escocesa realiza um estudo sobre o tema e foi a primeira a demonstrar que esse tipo de rede neuronal pode ser utilizada em jogos.
    Algoritmo de jogo gera guerra entre Google e Facebook
    A inteligência artificial e os algoritmos capazes de derrotar um profissional no go são objeto de uma competição entre Google e Facebook, que também já anunciou ter construído um programa imbatível no jogo.
    Para entender essa guerra, é preciso saber que o go é considerado o “ Santo Graal” da inteligência artificial, o símbolo da pesquisa na área.
    Ao anunciar a vitória de AlphaGo, Google torna acessível o assunto ao grande público, e se consolida mais uma vez como a empresa símbolo das novas tecnologias e da era digital no imaginário coletivo. Esta é também uma maneira de falar sobre uma questão hermética, ainda restrita aos laboratórios de pesquisa informática.
    Em 2012, a empresa já havia surpreendido ao anunciar o desenvolvimento de um programa capaz de descobrir o conceito de “gato” analisando dez milhões de imagens aleatórias do  YouTube. “Há muito barulho em torno do go. Na França, as pessoas jogam pouco. Poucas pessoas sabem que existe, mas se trata de um jogo importante em outros países", afirma Teytaud.
    Em termos de prestígio, conseguir vencer um humano profissional é um grande desafio. São duas estratégias diferentes: Facebook mostrou cedo o que estava fazendo, colocou seu paper na internet e as pessoas podem olhar como o algoritmo joga. E Google escondeu tudo, só anunciou recentemente essa vitória contra um jogador profissional”, resume o pesquisador francês.